Sessão 1 - parte 2

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Sentia um formigamento complacente percorrer todo o meu corpo na breve eternidade em que fiquei sentada com Estela na claustrofóbica sala de espera, evitando os olhares desconfiados da secretária antes tão sorridente, provavelmente receosa de que eu fizesse mais um escândalo - o que, honestamente, eu não entendia. Quer dizer, aquilo era um consultório de "psicologia e neuropsicologia" e os mais instáveis pacientes deviam passar por lá, nem sempre educados, tinha certeza. Portanto, que direito ela tinha de me julgar, de me encarar e me torturar com aquela vigilância passiva? Eu, sim, devia estar desconfiada do branco enervante daquela maldita sala: sofá branco, piso de mármore branco, paredes brancas e a porta para a temida sala de Amanda, naturalmente, branca. Havia uma obsessão tão descarada pela cor - porque branco é, na realidade, uma asséptica junção de todas as cores - que, de repente, me senti ameaçada, como se estivesse prestes a ser tragada para um laboratório futurista e usada em alguma experiência macabra, muito embora achasse que a experiência mais macabra de todas fosse continuar vivendo como eu vivia. No fim das contas, estava assustada, tanto com a possibilidade de mudar, quanto - ou mais ainda - com a de permanecer a mesma. A verdade é que não estava preparada para nenhuma delas. Já não aguentava ser a Mia triste, depressiva e carente que simplesmente se arrastava pela vida se remoendo do mundo e da felicidade alheia, simultaneamente, lamentando-a, invejando-a e invalidando-a. Eu queria ser feliz, independente de acreditar na felicidade ou não. Queria ser diferente, queria conseguir ser diferente sem tremer de ansiedade e medo com o simples pensamento de tentar. E estar ali significava tentar.

Tinha medo de abrir o meu coração ali e descobrir que ele estava em pedaços. Por mais que já soubesse que ele estava em retalhos - que eu mesma não passava de um grande retalho esfarrapado -, investigar me daria a prova irrefutável. E, com todas as minhas dores e vísceras analisadas e atestadas por outra pessoa, como poderia continuar fingindo que elas não existiam? E, existindo, que não me machucavam? Como poderia continuar forjando que escapava incólume e impune de mim mesma? Tremi de nervoso. Essa necessidade estúpida de insistir em uma dissimulação incompetente podia parecer mera covardia, uma covardia sem sentido, porém, na realidade, era o que me sustentava. Fingir que eu aguentava, que não me importava e que não estava agonizando em desespero e desamor me mantinha "viva". Não me curava, mas, de uma maneira torpe e masoquista, me ajudava. Fingir que não estava desmoronando nunca me impediu de desmoronar, mas, pelo menos, desacelerou o processo, enquanto a verdade, se gritada aos quatro ventos, só o potencializaria. E a verdade era que eu me importava - e até amava - muito mais do que me sentia capaz de confessar. Qual seria o sentido de fazê-lo? Ninguém iria querer ouvir, de qualquer forma. Cristina nunca quis. Nem ela, nem Miguel, nem Jim e, no fundo, nem Crystal - afinal, ela havia me despachado, e os seus motivos, por mais nobres que possam ter sido, não anulavam isso. O que me assustava talvez não fosse tanto o medo de me expor e me abrir - o que era eu senão uma grande ferida aberta clamando por sal? -, mas a consciência - o grande golpe de misericórdia da vida - de que, de uma forma ou de outra, seguiria sozinha. De repente, não era a morte de Cristina nem a raiva dos Albuquerque de Moraes nem a grande comédia barata que havia protagonizado durante todos aqueles anos que me assolava. Era pura e simplesmente solidão.

No entanto, em vez de acuada, deveria estar feliz, apesar de a palavra e o conceito me parecerem risíveis. 'Isso pode mudar tudo', pensei com um otimismo forçado e logo senti meu estômago embrulhar diante da ridícula e arrebatadora expectativa de mudar. Sequer conhecia a mulher e meu coração tolo já havia depositado nela o poder e a esperança alucinada de transformar a minha vida, poder e esperança que deviam brotar de mim, sabia bem. Sabia bem boa parte do que estava fazendo de errado, na verdade, mas algo me impelia a continuar fazendo-o, algo que eu não conseguia frear. Quantas e quantas vezes não nos machucamos sem querer, no fundo, por querer? E quantas vezes não insistimos em seguir o mesmo caminho que sabemos que nos levará ao sofrimento sem saber, no entanto, o motivo pelo qual o fazemos? Chega a ser engraçado, sordidamente engraçado: na teoria, a consciência de que parte de nós essa "escolha" patológica de nos autoinfligir deveria nos empoderar. Na prática, pode simplesmente alimentar um terrível sentimento de impotência e responsabilidade, culpa; um assombro diante da fraqueza em reagir à própria voracidade autodestrutiva, diluída em doses homeopáticas de autoengano - os hipócritas "está tudo bem" que suspiramos aflitos ao longo da vida. Quer dizer, como sair do buraco quando já se é o buraco? Como se curar de uma doença quando tudo o que você é e pensa e sente constitui a própria doença? Eu nunca havia imaginado outra escapatória senão a morte, que antes me era tão querida. Depois que levou a cretina embora, contudo, passei a nutrir-lhe uma espécie de ranço rancoroso, ora porque havia preferido levar Cristina a mim, ora porque a havia levado de todo.

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