Um fim de semana comum

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Parte I - Só Mais Um Gregor no Mundo

Sexta-Feira.

" Todos nós sabemos que a vida não é tão fácil assim, também sabemos que tão bom seria se fosse. Mas os dias nos tiram pra dançar e temos que ser bons dançarinos. Temos que escancarar um sorriso pra todos que moram nessa cidade onde em cada metro quadrado há um coração partido. Mas o desafio maior é não errar a coreografia sobre esses buracos, essas ladeiras e enfrentando o prazer que tem as pessoas de derrubar umas as outras. O cansaço dos dias que são as ladeiras, os buracos que são as dificuldades do dia a dia, e o prazer das pessoas seria as brigas por merda ou por ambição seja no trabalho alguém querendo subir de cargo mesmo que isso custe pisar em alguém, ou em algum outro lugar. "

Não haverá um só dia que ele não vá fingir qualquer alegria somente pra agradar, somente pra esconder pelo menos um dos problemas que o atormentam. Somente pra sair de casa tendo que matar o "leão-nosso-de-cada-dia". Perdendo a vida pra ganhar o pão, tentando se conformar ao fazer do pão que o Diabo amassou o pão de cada dia. Mas ele, sinceramente, sente nojo de pensar em sair pra trabalhar, enfrentar toda a rotina miserável dizendo que vai ganhar o pão, sabendo que o que vai ganhar é stress e uma mixaria, nenhum dos dois é pão - "antes pegasse numa enxada, do que isso" ele sempre repetia essa frase-.

Quando ele largava, no cair da noite, era um pouco mais honesto consigo mesmo. Ia pro bar. Pedia sempre uma dose, só que dupla de coragem pra por fim nisso tudo. Passava horas ali no balcão, dando ouvidas as vozes de seus tormentos que saiam da boca do seu "anjo e demonio" que ficavam em seus ombros lhe entupindo a cabeça. Sempre idealizava mundos perfeitos nessas horas.

E quando chegava em casa, bêbado e cansado, percebia que era só no seu quarto que não se sentia um estranho. Repetia pra si mesmo que se sentia como um inseto. Estava cansado.

"Vem Kafka comigo

Que não posso ser

Só mais um Gregor no Mundo.

Neste passo vou de encontro

Ao fim do posso mais fundo."

Ele suplicava aos gritos que não se escutam. Dormiu.

Parte II - A primavera, ou nada além do cotidiano.

Sábado.

Ele acordou... Como nunca acordava de bom humor recitou o que era praticamente seu mantra de todas as manhãs "Hoje eu não quero fazer nada, hoje não quero falar com ninguém. Porque ninguém está disposto a entender ainda que eu fale com palavras que expliquem bem".

Minutos depois seu telefone tocou, tinha sido convidado pra sair. Ele pediu desculpas. Não aceitou. Não tinha mais cabeça pra sair, se divertir, ou fingir. Ou se contentar com os outros se divertindo. Preferiu ficar em casa, largado no sofá, do jeito que sua ultima namorada o largara há três anos atrás. Sempre ficava assim, quieto, com seus castelos, nunca queria fazer nada. Mas sempre repetia pra si mesmo que faria algo pra mudar essa sua vida, a sua rotina. Que quando não era no inferno de trabalho, era no inferno do sofá. Sempre repetia...

"No dia de amanhã vou sair e procurar restos e pedaços dos meus sonhos que perdi por ai. Que ficaram pelos caminhos que me trouxeram até aqui. Seu os encontrar, farei tudo diferente, a começar por não jogar as chaves do meu peito em qualquer lugar."

Mas era sempre pra depois. Era sempre pra amanhã, nunca pra hoje, nunca pra agora. E no fundo, ele sabia que nada iria mudar enquanto existisse amanhã. E sentia tão pequeno quando nesses dias a melancolia, a impotência, a fraqueza e todo o resto de escoria que lhe pesava nas colunas o abraçavam. A saudade lhe beijava terna na boca.

E ela disse: "Nunca Apague a Luz".Onde histórias criam vida. Descubra agora