Acidente - Capítulo 1

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Desci do carro com a mochila nas costas e o skate na mão. Eu não estava com muita vontade de ser o aluno novo de novo, isso era muito ruim, ter que ser o alvo dos olhares de todo mundo, ser analisado pelos professores - eles irão concluir no primeiro dia se você é burro ou inteligente -, e ter que dizer o meu nome na frente da turma somente para ser o centro das piadinhas mais tarde.

- Tenha um bom dia - disse minha mãe antes de dar partida e sair do meu campo de visão.

Passei pela entrada e na secretaria eu parei para pegar e minha grade de horários. Eu teria duas aulas de física no mesmo dia, isso seria para matar qualquer um. Geralmente eu não gostava muito de qualquer coisa relacionada a números, eu era bom em história, eu sabia decorar datas importantes e sabia o nome de Dom Pedro I completo - que fique claro eram 18 nomes.

Alguns olhares já haviam começado a ser direcionados a mim logo antes de eu entrar na sala de aula. O sinal ainda não havia tocado, mas eu decidi que seria melhor entrar de uma vez na sala do que ter que chegar por último.

Escolhi a carteira no canto da parede como eu sempre fazia, pelo menos assim eu teria visão da sala inteira e saberia quando tivesse alguém falando sobre mim. O sinal tocou e eu respirei fundo. Era horrível a sensação de ter que enfrentar tudo pela primeira vez.

Os alunos começaram a entrar na sala de aula um por um, alguns olharam para o canto da parede e me viram. Contei mentalmente para a hora do intervalo: ainda faltavam 100 minutos para o sinal tocar.

O professor de física entrou na sala dando bom dia para os alunos, eu abaixei a cabeça e pedi em silêncio para que ele não me notasse. Apertei o meu skate no colo até os nós dos meus dedos ficarem brancos.

- Muito bem turma, hoje nós vamos falar um pouco mais sobre graus Kelvin... - o professor parou de falar, eu deduzi isso como uma coisa ruim. - Vejo que temos um aluno novo.

Eu poderia exclamar um dicionário de palavrões naquele momento, mas era melhor não o fazer. Os olhares da turma se voltaram para mim, olhei diretamente para o professor, um homem com uns trinta anos, mas com aparência de vinte e cinco.

- Talvez você queira se apresentar para a turma? - Sugeriu o professor.

Eu não queria, mas eu sabia que quando um professor dizia "talvez você queira" na verdade ele estava intimando você para fazer aquilo. Não era um pedido, era uma ordem. Eu me levantei da carteira ainda com o skate na mão e enquanto eu caminhava para frente da turma eu tentava não fazer contato visual com nenhum deles. Parei ao lado do professor e olhei diretamente para todos eles, confesso que fiquei meio assustado ao ver aqueles olhares todos se voltando para mim.

- Okay... - sussurrei tentando ganhar coragem para começar. - Meu nome é Ulysses, tenho dezessete anos e sou novo na cidade.

Voltei a olhar para o professor, ele assentiu para mim.

- Se você se sentir a vontade pode falar sobre o quê não gosta, do que é bom e o que você gosta de fazer.

Assenti. Eu escutei alguns risinhos vindos do fundo da sala, mas eu não me importei, eu não queria ter que discutir com alguém no primeiro dia de aula, já bastava a noite anterior quando eu joguei uma lata de Coca-Cola pela metade em um garoto que havia colocado o pé na minha frente para eu cair.

- Bem... Eu não gosto de física - olhei para o professor. - Sinto muito. Eu sou bom em história e sei cada data importante até hoje e o que eu gosto de fazer é...

Vasculhei na minha mente uma lista de coisas favoritas, eu sabia que eu não podia falar frango frito e nem bacon senão eu iria parecer meio idiota, se eu falasse que amava filmes de terror eu iria parecer sinistro, se eu falasse que gostava de ignorar a minha mãe eu iria parecer um filho sem coração. Se eu dissesse que eu lia o tempo todo a todos os tipos de livros então eu pareceria um aluno CDF.

Olhos AzuisOnde histórias criam vida. Descubra agora