Nirvana

VI - O Jogo da Vida

Cause we are the ones that want to play

Always want to go but you never want to stay

And we are the ones that want to choose

Always want to play but you never want to lose

- System of a Down

- Vovô, que bom que você veio. - Sarah abraçou o velho aos prantos.

- Como ele está? - perguntou o velho de feições orientais.

- Estável, o doutor disse. - respondeu a mãe de Jamie. Na cama, o garoto permanecia inconsciente. Seu corpo estava todo coberto por faixas que escondiam as terríveis queimaduras que havia sofrido. Aparelhos permitiam que ele ainda fosse capaz de respirar.

- Como alguém pode ter coragem de fazer algo tão cruel?

- Não sei. Mandaram os garotos para o reformatório, mas não acho que vá fazer efeito.

O velho se aproximou do leito. As roupas de cor lilás contrastavam com a pintura branca da sala do hospital. Mas sua excentricidade podia ser justificada pela sua história.

- Acha que ele está sonhando? - perguntou Sarah.

- Creio que sim. - respondeu o velho. Os longos bigodes balançaram quando curvou a boca em surpresa. Ele tocou a testa do garoto e, por um segundo, teve a impressão de estar em outro lugar. - Não pode ser.

- O que foi, há algo errado?

- Não, nada. - ele se levantou. - Mas eu realmente gostaria de ver o tal armário, se possível.

+

- O que há, James. Algum problema?

- Não, Peredur. Por quê?

- Ficaste estático por um instante.

- Tive uma visão.

- Visões são maus presságios. Deverias ir ver o sacerdote.

- Não creio que seja preciso, velho amigo. É só que...

- O que foi?

James encarou o soldado, as sobrancelhas arqueadas.

- Por instante, achei ter visto minha mãe.

+

O velho caminhava pelo corredor da escola vazia. Observava com cuidado os números marcados no armário. Parou quando achou o que procurava.

- Ao que parece já o concertaram. - pegou a chave e o destrancou. Parecia apenas um armário comum à vista de um leigo. - Há algo estranho aqui. - tocou o metal e mais uma vez uma estranha visão iluminou-lhe a mente. Uma longa estrada em meio a lugar nenhum. Havia apenas uma placa ali, mas a imagem era embaçada demais para que pudesse ler o que estava escrito. Antes que pudesse avançar, o vislumbre desapareceu. - O que pode ser isso?

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- Estás congelando. - Peredur parecia preocupado. Havia representado, ao longo dos últimos anos, uma figura paterna para James. A amizade entre ambos era permeada por um sentimento de lealdade. Confiavam um no outro mais do que em qualquer outra pessoa, inclusive o rei.

- Não precisa se preocupar. - respondeu o jovem. - Foi só um calafrio. E, por um instante, senti meu corpo se retrair. Como se eu fosse criança ainda.

- Tudo bem. Mas realmente está mais frio por aqui.

- Também notei. Estranho.

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O velho contemplava o Sol, no banco da praça. Tomava sorvete de uva, seu favorito. Era impressão sua ou estava um calor dos infernos?

- Pense, Marc. - dizia a si próprio.- O que pode ter sido aquilo? - sua vivência permitia que fosse um grande receptáculo de conhecimento, mas aquilo tudo era muito novo. - O que foram as visões? - ele pensava em James, na cama do hospital, ferido, machucado, semimorto. - Será que é ele? O garoto de quem Tempus havia falado?

O arauto de Yahweh e ex-deus pagão havia o visitado há algumas décadas anunciando que um garoto especial estava por vir e seria deixado aos seus cuidados. Mas ninguém deveria saber sobre isso. Marc nunca deveria contar ao garoto que ele era especial. Mas, afinal, James era o garoto? Ele era um Callaway, afinal. Seu bisneto.

- Lisa teria as respostas. - lembrou-se da garota que conheceu há tanto tempo. Ele já era velho na época, e mesmo assim ela se apaixonou por ele. Lembrava-se de seus conselhos e de como ela parecia sábia, mesmo sendo muito mais jovem. Infelizmente ela havia partido há muito tempo.

+

- Tu não falas muito de tua casa.

- Às vezes eu sinto saudade da minha família. Mas não quero deixar Nirvana. Sinto que esse é meu lugar. Sempre foi. Às vezes precisamos fazer sacrifícios para termos nossos desejos cumpridos.

- A questão é: o que estás disposto a sacrificar, James de Los Angeles?

Aquela era uma resposta que ele não podia dar.