Now that the war is through with me
I'm waking up, I can now see
That there's not much left of me
Nothing is real but pain now
- Metallica
Trombetas soaram, estandartes foram erguidos, cavalos relincharam. E o exército de Nirvana deixava Paradise City. Era a primeira vez que iam à guerra de fato em séculos.
Sobre o lombo de seu cavalo James, ainda debilitado, tentava se equilibrar. Montava com certa habilidade, era bem verdade, mas aquela nunca fora sua especialidade. Não era seu corpo que o preocupava, mas sua mente. Memórias de um mundo diferente misturavam-se àquelas mais nítidas desde que chegara até ali.
- Quem sou eu? – sussurrou para si próprio. Cercado por todos os lados, o agora conselheiro James sentia aquela sensação de isolamento, como se um muro se erguesse ao seu redor. – Essa guerra é minha? – perguntou; os cascos dos cavalos abafando o som de sua voz, como todos aqueles acontecimentos vinham abafando o seu ser.
A certeza já não era parte de James. Ele se sentia confuso, quase imaterial naquele mundo. Doía não saber sobre si próprio. Às vezes era tomado por calafrios. Consultara todos os curandeiros da capital e nenhum tinha respostas para o seu mal. Cabia a ele lutar contra tudo aquilo sozinho.
Inúmeras vezes sua mente era inundada por flashes, imagens vinham como torpedos atingindo seu crânio, ferindo seu cérebro. Mas aquele era um quebra-cabeça indecifrável. No fim das contas não podia juntar as peças porque elas desapareciam com a mesma facilidade com que surgiam.
O bem da verdade era que James, o pequeno James, estava atado a uma cama de hospital, com ninguém a seu lado a não ser sua mãe. E todo aquele mundo, suas guerras, suas criaturas, seus conflitos, tudo aquilo estava acontecendo em um lugar diferente. Talvez apenas em sua mente. Mas fosse isso, teria Marc sido capaz de chegar àquele mundo? Aliás, o próprio James desconhecia a presença do velho naquele lugar. E ainda que soubesse, sua mente seria incapaz de reconhecer o homem que tanto brincara com ele quando criança. A mente de James dissolvia-se tal qual açúcar em água, eliminando memórias, lembranças, a própria identidade de seu ser. O que restaria de James ao final das contas era impossível de dizer.
Kurt notara a mudança no garoto que já não era garoto naquele mundo, mas nada ousara fazer. O rei acreditava que existem certas coisas que devem ser lidadas individualmente e não há nada que pessoas exteriores ao caso possam fazer para melhorar isso. James teria de lidar com seus problemas, fossem o que fossem, a sua própria maneira.
Mas a dor que corroia o antes habitante de Los Angeles, a cidade dos anjos, e agora habitante de Paradise City, a cidade paraíso, onde a grama é verde e as mulheres são bonitas, era indescritível. Era corte de faca na pele, agulha enfiada sob a unha, braseiro quente nas bochechas, chicotada nas costas. Era a dor da mudança. E desculpe caro leitor, por essa narrativa tão Henry James de ser, mas foi assim que aconteceu e assim precisa ser contada.
James desaparecia à medida que o conselheiro real de Kurt, o rei Kurt, Kurt Cobain, ex-vocalista do Nirvana, tido como suicida nesse mundo, surgia. É de se estranhar que alguém simplesmente desapareça, principalmente e particularmente difícil de entender para alguém cujas capacidades mentais se apresentam aptas como nunca, que alguém simplesmente deixe de ser. Que alguém passe a ser é até concebível, mas deixe de ser? Isso é inaceitável, inimaginável. A inexistência é impossível para qualquer ser, seja ele habitante desse mundo, daquele, de Nárnia, da Terra Média, de Azeroth ou de qualquer outro mundo fantástico já concebido. Ser faz parte de nós. Ser ou não ser, Shakespeare já questionava por meio de seu próprio príncipe. Mas James deixava de ser, a cada dia, esvaindo-se tal qual areia de ampulheta. Mas a areia da ampulheta vai para outro lugar, mais precisamente para outra parte da própria ampulheta, mas James ia para lugar algum. Era como um rio desaguando no nada, a chuva caindo sem molhar o solo, a luz do Sol dirigindo-se para lugar nenhum e deixando o mundo escuro e vazio. E ninguém podia fazer nada sobre isso.
Por isso, quando James deixou Paradise City, ele também deixou o resto de si para trás. O que lhe fazia ele. E o destino quis, como em uma tragédia clássica, que aquela fosse a última vez que James de Los Angeles visse a bela grama e as ainda mais belas mulheres da capital de Nirvana. E que aquela carcaça vazia que agora era, simplesmente, o conselheiro do rei, também tivesse seu destino escrito para a guerra que se aproximava.
E foi assim que o terceiro grande reino entrou na guerra que mudaria para sempre aquele mundo. E talvez todos os outros.
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Nirvana
FantasíaJames é um garoto ignorado pelo mundo. Mas agora, ao lado de seu grande ídolo e em uma nova terra, grandes aventuras lhe esperam.