6.

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- O que você acha que acontece depois que as pessoas morrem? - perguntei, segurando o livro "A Menina do Vestido Azul" na mão. Por que aquela garota decidiu voltar dez anos depois e assombrar a minha vida? Como se no último mês eu já não tivesse acumulado fantasmas o suficiente para me atormentar.

Decidi conversar sobre aquele assunto sério com a pessoa 'menos séria' que eu conhecera até então: Salsicha. Eu estava sentado na beirada do que parecia uma piscina vazia, observando ele transitar de um lado para o outro em cima de um skate. As mochilas estavam jogadas ao lado dos nossos paletós e gravatas.

- Isso depende, cara. As pessoas morrem o tempo todo e muitas coisas continuam acontecendo.

- Estava falando dos mortos. O que acontece com eles depois que morrem?

- Que brisa é essa? - Salsicha pulou para fora do skate e sentou ao meu lado.

- Nada demais. - guardei o livro na mochila e observei o pôr-do-sol. - Estava pensando nisso.

- Porra, cara. Tanta coisa para pensar, você vai pensar em morte? Por que você não pensa em algo mais interessante, tipo os peitos da Maia?

- Porque ele não chegou a vê-los. - quem respondeu foi a própria Maia, sentando ao nosso lado. Ela estava mais linda ainda vestindo o uniforme do colégio. - Quer um pedaço de bolo, Salsicha? Bernardo me deu um enorme ontem.

- Desculpe, Maia. - ergui os ombros - Eu acabei me perdendo e, se serve de consolo, vomitei um monte. Nosso momento a sós poderia ter sido um desastre.

- Não venha com desculpinhas, Bernardo. Você não é o primeiro menino a não dar conta do meu corpinho. - ela piscou e depois sorriu. - Estou brincando. - quando ela colocou a mão na minha perna, Salsicha se manifestou que seria melhor deixar nós dois a sós. Nenhum dos dois refutou a oferta, então anotei mentalmente que teria que me desculpar com ele depois. Quando ficamos realmente a sós, ela puxou o livro da minha mão - "A Menina do Vestido Azul", de Giancarlo Bastile. Interessante... Para quem tem cinco anos de idade.

- Descobri que a filha dele estudou aqui e fui procurá-lo na biblioteca.

- Entendi. - Maia continuou observando o livro com os olhos cerrados - A filha dele não só estudou aqui. Ela, tipo, se meteu em um monte de merda.

- Até onde eu fiquei sabendo, meteram ela em um monte de merda. Ninguém entra em um monte de merda por conta própria. - pela primeira vez naquele dia, o flash do acidente do mês passado atacou meus pensamentos.

- Já falamos sobre vômito e agora estamos falando sobre montes de merda. Podemos, por favor, falar sobre algo decente? Tipo o que vamos fazer hoje a noite? Eu, você, seu amiguinho gay e um litro de vodka. Que tal?

- Não sei se tenho estômago para isso, mas... - sorri - Podemos tentar. Quarto 94. Bata antes de entrar.

Ela me deu um selinho e saiu. Coloquei o paletó de volta, joguei a gravata dentro da mochila e voltei para o dormitório. Felipe topou a pequena house party proposta por Maia, com a condição que "déssemos uma geral" no quarto, o que incluía recolher umas quinze bitucas de cigarro largadas no chão.

Quando minha mãe morreu, uma professora entrou correndo na sala de aula e pediu que eu arrumasse meu material. Fui levado para casa pelo motorista e, quando encontrei meu pai, ele disse: "Sua mãe morreu". E, antes que eu pudesse pedir detalhes, ele jogou uma nota amassada na minha mão e ordenou que eu fosse comprar cigarros. Ele nunca fumava, mas, naquela noite, infestou a casa com fumaça e cheiro de nicotina. Passei a noite inteira abafando a tosse e o choro com o rosto enfiado no travesseiro. Eu odiava cigarros, mas não diria isso tão cedo para o meu colega de quarto.

A Última Gravata VermelhaOnde histórias criam vida. Descubra agora