Há algo completamente errado na seguinte situação: Catarina, já com as unhas feitas pela manicure mais cara da cidade, abre as portas do guarda-roupa, pronta para ver o vestido que irá usar em duas horas, no seu casamento. Encontra apenas um cabide vazio, sente as lágrimas pesarem nos olhos e grita tanto que os peitos quase escapam para fora do decote. Perde uma hora procurando um culpado ao invés do vestido; o tempo passa, a hora do casamento chega e tudo está, oficialmente, arruinado. Ela coloca a mão na barriga, lembra que está carregando um filho de Lucas. Tem um insight e decide que é melhor assim: nada de casamento. Catarina limpa as lágrimas, entra no caminhão de seus familiares e vai embora.
O que há de errado é que, apesar da ausência do vestido, nada aconteceu desta forma.
Na noite anterior, Maia estendeu o vestido sobre a grama. O tecido branco ficou sujo em questão de segundos, as formigas misturando-se em meio às lantejoulas. Acendeu o cigarro e sentou-se, encarando os túmulos e memoriais à sua frente.
— Então foi aqui que você escondeu um corpo? — soprou a fumaça. Ela ficava bem sexy fumando, mas ainda não me acostumei com a ideia dela ter criado tal hábito. O cheiro de nicotina me lembrava Felipe.
— Talvez.
— Esperto — ela riu — Esconder um corpo em um cemitério. É, tipo, o que nossos pais fizeram com a gente. Fomos matriculados em um colégio para adolescentes problemáticos onde, na teoria, deveríamos melhorar. Não é bem o que acontece — ela encarou o fogo na ponta do cigarro e jogou as cinzas no chão. — O que você vai fazer quando voltar para o São Dimas? Quando encontrar Felipe?
— Não sei... — ergui os ombros, também encarando os túmulos. Eu deveria estar completamente desconfortável por ter voltado àquele cemitério, onde eu e meu primo escondemos o corpo da mulher que matamos quatro meses atrás. Mas, na verdade, eu estava muito bem acomodado, sentado com pernas de índio sobre o vestido como se fosse uma toalha de piquenique. Quão sádico eu estava me tornando? — Talvez conversar.
— Conversar? — Maia riu — Quem resolve os problemas hoje em dia conversando?
— Acho que é a melhor maneira de lidar com Felipe. Ele deve ter justificativas para o que fez e eu quero as ouvir.
— O que justifica um assassinato? — Maia jogou o cigarro. Senti meu estômago revirar: lembrei de meu pai, agachado sob uma perna, encarando minha testa sangrenta e perguntando "Por que você fez isso?". — Tipo, faça como preferir. Eu gosto de você, Bernardo. Acho muito lindo ver como você se esforça para se encontrar. — ergui uma sobrancelha, curioso com a análise que Maia fez sobre mim. — Mas, seja lá como você for resolver os problemas, tenha cuidado para que Felipe não te machuque. Não quero que você vá parar em um desses tão cedo. — estremeci quando o dedo dela indicou o túmulo mais próximo.
* * *
O caminhão da família de Catarina chegou pela manhã, a carroceria lotada com o pai (gordo, mais de dois metros e excesso de pelos em todas as regiões visíveis do corpo), a mãe e três crianças — dois meninos e uma menina. Tive pouco contato com a família da minha madrasta, mas sabia que eles eram cheios de excentricidades.
Certa vez, escutei a mãe de Catarina brigando com a filha pelo número exagerado de empregados na casa. "Por que vocês precisam jantar essas sobremesas gordas se eu já te ensinei a fazer aquele bolo de fubá que a sua avó sempre fazia?". "Julio jamais comeria bolo de fubá". Catarina estava certa: as talheres de meu pai derreteriam se chegassem perto de uma comida tão comum.
— Vocês não vão entrar na piscina sem protetor solar — a mãe de Catarina advertiu os dois garotos.
— Droga, mãe! Não quero ficar parado quinze minutos enquanto você passa essa coisa nojenta nas minhas costas.
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A Última Gravata Vermelha
Mystery / ThrillerNo auge dos dezessete anos, Bernardo não buscava ter muitos amigos e só ficava realmente abalado quando a sua série preferida saía do catálogo da Netflix. A vida do protagonista muda quando ele e seu primo, Lucas, atropelam uma pessoa em um acident...