22.

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Meu olhar percorria os números e fórmulas espalhados pela apostila de matemática quando a porta do quarto se abriu com um estrondo, tão barulhento quanto os trovões que compunham o forte temporal do lado de fora. Leo entrou acelerado, seus olhos estavam muito abertos, o queixo caído, os cabelos bagunçados e a roupa amassada parecia ter sido colocada às pressas no corpo magricelo. Ele fechou a porta e encostou-se nela, arfando continuamente e olhando para os lados.

— Você está bem?! — tirei a caneta e os cadernos do meu colo e levantei-me do colchão. Ele resmungou quando alguma farpa da porta prendeu na camiseta branca.

— Não. — ele continuou movimentando o rosto de um lado para o outro, em negativa. Seus olhos arregalados quase não piscavam. — A-aconteceu uma coisa... Uma coisa m-muito estranha.

— O que aconteceu, cara? — puxei-o pelo braço até que ele sentasse em seu colchão. Ele começou a soluçar e deu um grito quando um trovão ecoou pela janela. Suas reações me lembravam um peixe assustado com uma criança que bate o dedo repetidas vezes no vidro do aquário — Quer que eu pegue um copo de água no refeitório?

— Não! — ele segurou meu braço, cravando as unhas contra minha pele pálida. — Fique aqui. Por favor, fique aqui.

— Seria ótimo se você me dissesse o que aconteceu — franzi o cenho e coloquei a mão no ombro dele, tranquilizando até que ele soltasse as unhas do meu braço. Ele respirou fundo e, em seguida, balançou a cabeça mais uma vez.

— A-acho melhor não falar so-sobre isso. — ele soluçou mais uma vez, deitou de bruços na cama, escondeu o rosto no travesseiro e me afastou usando os pés, calçados por tênis desamarrados. Fechei a cortina da janela para que os relâmpagos parassem de iluminar, de maneira sinistra, as paredes brancas do quarto. Depois que Felipe foi embora, as paredes ficaram limpas, sem pôsteres e post-its com anotações. Notei que Leo, assim como eu, não se empolgava com decoração, reduzindo o lado esquerdo do dormitório a uma cama com uma mochila jogada ao lado, um pequeno armário e uma escrivaninha com abajur e dois livros em cima dela.

— Tudo bem se não quiser falar, mas você está suado e fedendo. Deveria tomar banho, pelo menos — puxei um tênis dele e depois o outro, enfileirando-os ao lado da mochila.

— Não quero tomar banho — sua voz saiu abafada, já que o rosto estava enfiado no travesseiro.

— Não aja como um bebê mimado — bufei, arrancando as meias dos pés dele — Quer que eu chame seu pai?

— Papai não tem que se envolver nessa história.

— E eu tenho? — perguntei, segurando ambas as meias dele com a mão esquerda. Ele não respondeu e, quando outro trovão ecoou, seu corpo enrijeceu deitado no colchão. Imaginei que toda aquela situação não passasse de medo do temporal, embora Leo já fosse velho demais para isso. Enfiei as meias nos sapatos, caminhei até o armário, peguei uma toalha e joguei sobre ele. — Há alguma outra coisa que eu possa fazer para te ajudar? Você está parecendo um defunto. — Leo continuou sem responder.

Dei de ombros e caminhei até o interruptor. Hesitei alguns segundos antes de pressionar o botão, mas, ao ver que Leo não estava mais se movimentando bruscamente, apaguei a luz e deitei na cama, depositando o material escolar na escrivaninha. Acendi o abajur e verifiquei que Leo continuava na mesma posição, as costas subindo e descendo levemente, sem soluços. Apaguei o abajur e deixei que o sono viesse, apesar da minha curiosidade.

Passara uma semana desde que eu havia voltado do fatídico "casamento" e tivera aquela alucinação sinistra no banho. Durante os últimos sete dias, aproveitei para colocar em ordem todas as disciplinas da sala de aula — o que resultara em pouquíssimas interações com meu novo colega de quarto. A imagem dele para mim se resumia a de um garoto tímido e carente, preso a algumas amarras que provavelmente seu pai impusera. Por exemplo, a necessidade de sempre falar da bunda ou do peito de qualquer garota que passasse por nós.

A Última Gravata VermelhaOnde histórias criam vida. Descubra agora