15.

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Dois meses antes do suicídio

Querido diário, sinto informar que não aprendi a usá-lo. Deveria escrever aqui, todos os dias, coisas ridículas como a cor da calcinha que usei durante o dia, xingar a atendente do McDonald's que errou meu pedido ou descrever o moço mais bonito que passou por mim enquanto eu andava pela rua. Escrevo aqui mensalmente e sempre me surpreendo com o tanto que mudei de um mês para o outro. Sou contraditória, boba, sádica e voltei a pensar na morte. Na minha morte.

Quando criança, minha casa ficava em uma rua inclinada e sem movimentação, onde as crianças levavam carrinhos de rolimã e escorregavam até o fim da rua. Tentei fazer isso uma única vez e me esborrachei. Cinco segundos antes de uma pedra travar a rodinha, eu percebi que isso ia acontecer. Quando meus joelhos e cotovelos oficialmente se ralaram, era como se já estivesse acostumada com a dor. Ela veio antes, acompanhada do medo daquele destino que eu não poderia interromper.

Sinto como se estivesse presa a esses cinco segundos. Eu sei que vou me machucar, mas não posso fazer nada porque já estou no fim da ladeira. Estou com medo e a dor veio junto.

Um mês e meio antes do suicídio

Querido diário, tenho duas metas para o meu relato hoje e pretendo cumpri-las: 1) Não serei metafórica. 2) Descreverei tudo que aconteceu no último mês para ter registrado caso aconteça alguma merda — e grande parte de mim acredita que vai, sim, acontecer.

Dia 01.

"Você não precisava trazer isso", alertei. Ele veio dormir no meu quarto pela primeira vez. Por alguma falha na quantidade de estudantes do colégio, eu não tinha colega de quarto, sempre fiquei sozinha. Mas, só me senti segura para receber alguém depois de quase dois meses de 'namoro'. Eu sempre achei que ele poderia encontrar algo por aqui que o deixasse extremamente desconfortável.

A forma como ele examinou cada centímetro do meu dormitório me deu vontade de mudar todos os móveis de lugar, trocar a cor das roupas de cama, pintar as paredes e jogar meu travesseiro fora. Logo depois, quando ele sorriu, todas essas impressões foram embora.

"É só por precaução, nós já tivemos essa conversa". E, sim, nunca mais havíamos conversado sobre isso. Ele jogou tudo sobre a cama: o pijama, o travesseiro, a camisinha e a maldita faca. Não tenho certeza qual dos dois últimos objetos era, realmente, para precaução.

"Você está hesitando", ele resmungou, pegando a faca e colocando-a sobre a cômoda. "Vamos deixá-la aqui, longe. Ela afasta meus pesadelos".

"Eu. Eu deveria afastar seus pesadelos". Ele deu de ombros. Hoje, quando me olho no espelho, passo a questionar se eu mesma não sou a causadora dos sonhos ruins.

"Você já me satisfaz de tantas maneiras. Seria egoísta e cruel cobrar mais isso de você, meu amor". Ele sorriu mais uma vez e tirou a camiseta; golpe baixo para que eu parasse de falar.

Enquanto transávamos, a mão dele parou várias vezes sobre meu pescoço. Aquilo não me incomodou no momento, mas agora eu me sinto uma verdadeira idiota. O polegar de um lado, os quatro dedos de outro, a palma pressionando o espaço acima dos meus peitos. Nós nos olhávamos, a testa dele suava e o peito arfava. Eu sorria, preocupada com o encaixe que acontecia lá embaixo, sem perceber que a mão dele e meu pescoço estavam bem mais conectados. Uma pressão a mais e eu seria sufocada. — Nota mental: se eu morresse transando, iria para o céu pelada?

Exaustos, dormimos logo em seguida: eu, ele e a faca. Em algum momento, no meio da noite, o objeto deixou a cômoda e se acomodou entre nós dois.

Dia 02.

A Última Gravata VermelhaOnde histórias criam vida. Descubra agora