28.

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As notícias que vinham da casa de Lucas nunca eram boas. Meu primeiro contato com a morte veio de lá: aos quatro anos, fiquei sabendo que o pai de Lucas morrera ao entrar numa briga, na porta de um estádio de futebol. "Meu time é melhor!". "Não! O meu que é!". "Jamais!". "O seu time é uma bosta!". Bum! Uma garrafada bem na cara, o vidro preso na garganta e nenhum gol a mais.

Lucas tinha apenas cinco anos e, apesar de não ter entendido muito bem os acontecimentos, seu estômago reagia sempre que ligávamos a televisão e um jogo de futebol estava sendo transmitido. Era certeiro: o Galvão Bueno gritava, automaticamente Lucas botava o almoço pra fora.

Os vômitos passaram a ser frequentes na casa dele. Depois da morte, não era surpresa dar de cara com a mãe caída no chão da cozinha, agarrada a um vidro vazio de uísque. A partir dos oito anos, Lucas já conseguia carregá-la até o quarto. Enganchava os braços nos dela e subia a escada de costas. Lucas era o responsável por todos os afazeres da casa, enquanto a mãe fazia buracos no sofá de pano com as bitucas de cigarro. Ele nunca aceitava ajuda.

Apesar disso, Lucas era feliz. As tatuagens surgiram no seu corpo todas de uma vez, como se ele tivesse mergulhado em uma piscina de desenhos. Colecionava namoradas, mas não partia corações. Era charmoso como ninguém. Ele era meu primo preferido e melhor amigo, nós dois formávamos uma dupla e tanto — até eu ferrar com a vida dele e ele tentar me matar.

— Como nós vamos voltar para casa? — Maia perguntou, avaliando o carro destruído — Como você vai explicar isso para o seu pai? — Com o sapato, ela arrastou uma pilha de vidro quebrado para baixo do veículo. As perguntas de Maia eram pertinentes na minha cabeça e, ouvi-la vociferando as questões sem resposta estava me irritando.

— Vamos ligar para a sua mãe.

Não! — Maia respondeu, imediatamente — Qualquer pessoa, menos a minha mãe. Podemos ligar para, tipo, a Madonna. Mas não ligue para minha mãe.

— Você tem o telefone da Madonna?

— O que?

— Não. Então vamos para o plano B: sua mãe — olhei para os lados e, então, puxei o celular do bolso. O aparelho estava com a bateria carregada há uns dois dias, já que eu quase nunca o usava — Qual é o número?

— O da minha mãe? — Maia bufou — Meia, meia, meia.

Maia! — deixei escapar uma risadinha — Não estamos em uma situação muito favorável para piadinhas. Qual é o número da sua mãe?

— Eu tenho uma ideia melhor — Maia puxou o celular da minha mão com um movimento muito rápido, fiquei me perguntando se ela já fizera isso com outras pessoas — Espere aqui, vou ligar para a carona — desviei o olhar, ainda pensando nos destroços do carro. Lucas poderia aparecer a qualquer momento e fazer picadinho do meu corpo — Relaxa, não vou demorar.

Maia deu alguns passos para o lado, caminhando no pequeno espaço gramado entre a estrada e a cerca do colégio São Dimas. Os cabelos balançavam sempre que um carro passava acelerado. Com uma mão no celular e a outra arrumando a franja, ela desfilava de um lado para o outro. Fiquei me perguntando como ela conseguia provocar tantas sensações diferentes em um intervalo de tempo tão curto.

— Pronto! A nossa carona está vindo — Maia sorriu, entregando o celular e me tirando do transe. Eu ergui as sobrancelhas, curioso, e chequei as ligações recentes. O número era desconhecido.

Guardei o celular no bolso e dei alguns passos para trás, me escondendo sob as sombras das árvores. A tensão estava presente em todas as minhas expressões: o olhar alerta correndo de um lado para o outro, a testa franzida, as unhas roídas pressionadas contra o muro do colégio. Senti a mão quente de Maia cobrir a minha.

A Última Gravata VermelhaOnde histórias criam vida. Descubra agora