21.

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DOZE ANOS ATRÁS

Giancarlo Bastile depositou a caneta ao lado do papel, avaliando a própria caligrafia. Havia uma certa diferença entre o "i" do nome e o do sobrenome, e isso o incomodou um pouco. A assinatura deveria estar perfeita, porque ela oficializava o seu primeiro contrato com uma editora.

Ele registrou com o olhar cada canto da sala; afinal, queria lembrar daquele momento nos mínimos detalhes. As paredes eram tomadas por pôsteres de musicais clássicos, como "Cantando na Chuva" e "Moulin Rouge". No centro da mesa de madeira, estava talhado o slogan "Editora L&L", mas quase não era possível enxergar, já que estava coberto por canetas das mais diversas cores, borrachas, papéis e lembranças de viagens, como miniaturas da Torre Eiffel e do Big Ben. Encostada na parede, uma outra mesa estava ocupada por dois vasos de orquídeas roxas e, entre elas, um quadro com a foto de uma família. Uma mulher — que agora estava sentada à sua frente —, o marido e duas menininhas extremamente parecidas, usando roupas também iguais.

A representante da editora depositou as unhas verdes fluorescentes sobre o papel e o puxou para perto. Observava cada palavra impressa, os olhos brilhantes e satisfeitos como se dois cifrões ocupassem o lugar da pupila. Ela ergueu a cabeça e encarou o escritor, sorrindo. Tinha cílios grossos, o rosto tomado por uma quantidade excessiva de maquiagem, a boca contornada por um batom rosa-choque e cabelos enrolados na altura dos ombros, tingidos de louro esbranquiçado.

— Acho que seremos ótimos parceiros de negócios, senhor Bastile. — ela estendeu a mão, as unhas tão grande se esticavam para além dos dedos. — Precisamos de mais autores jovens, como você. Você é casado? — Giancarlo apertou a mão dela e soltou poucos segundos depois, incomodado com a pergunta.

— Não, não sou. — levantou-se da cadeira, arrastando-a para trás.

— Ah, você deveria esperar — ela olhou para as unhas — Caso você se torne um escritor famoso, e eu sei que isso vai acontecer, podemos fazer do seu casamento um grande evento. Você é um rapaz bonito, tem porte, tem um bigode muito simpático, hi-hi-hi — Giancarlo levou a mão até o bigode, curvado nos cantos da boca como o de um chef italiano — Você vai deslanchar.

Mãe, você nem gostou dele tanto assim. — a voz surgiu do chão. Giancarlo, assustado, abaixou a cabeça e viu uma garota, de seis ou sete anos, saindo debaixo da mesa. Como se uma não bastasse, a gêmea idêntica da menina também apareceu logo em seguida.

— Pois é, você não estava fazendo aquele negócio que você fez com o escritor de ontem. Aquilo com o pé, sabe? Ficar deslizando o peito do pé na coxa dele? — a maquiagem não conseguiu esconder o rosto vermelho da mulher. — Eu e Luana brincamos disso ontem, mas não tem graça nenhuma.

— É, acho que ela percebeu como a brincadeira é chata e não quis fazer isso com o tio do bigode. — Giancarlo deixou escapar um sorriso, olhando para a garotinha loira de testa grande que acabara de o intitular como "Tio do Bigode" e pensou que esse poderia ser o nome de um personagem em seus futuros livros.

— Luana e Luísa, vocês deveriam ser comportadas como a filha de Giancarlo.

A mulher apontou para o canto da sala, onde uma garotinha estava sentada com as pernas cruzadas. Quase invisível em meio aos móveis, Anita encarava os detalhes do escritório com olhos grandes bem abertos. Giancarlo sabia que ela provavelmente estava procurando algo que fosse satisfazer a mini-gótica interior — uma aranha, um escorpião, uma barata ou algum outro animal que ela deveria sentir aversão. A garota, ao perceber que era o assunto da conversa, olhou assustada. As sobrancelhas ergueram ao notar as gêmeas, como se tivesse encontrado seu mais novo objeto de estudo.

A Última Gravata VermelhaOnde histórias criam vida. Descubra agora