Capítulo 1 - Pether

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      Eu não conseguia compreender de onde meus tios, meu pai e meu avô haviam conseguido tanto dinheiro para pagarem passagens de avião para tanta gente. Só espero que não tenham roubado ou alguma coisa assim. Por mais que eu seja um dos mais velhos, eles sempre me deixam fora dos negócios, e isso é frustrante. Após a viagem à Alemanha, onde conseguimos finalmente a aliança com os Hampton, que foram muito pacíficos e compreensivos conosco, estamos de volta no avião, para mais uma longa viagem, desta vez, para a África.

     Eu não me dou muito bem em aviões, prefiro a terra firme, sentir o chão nos pés, é bem mais confortante. Estar aqui dentro desta lata velha, sem saber se irá cair ou não, me deixa muito apreensivo, sem saber o que fazer. Como quando sempre me lembro de Mandy, o que ela está fazendo agora, está na casa dela? Na minha? Está com suas amigas? Ou está em perigo? E se algum dos Nefilins a pegaram? E se o pai dela a pegou? Para a minha sorte sei que posso contar com Johnny, Jensen e Albina para cuidar dela, e mesmo tendo minhas desavenças com Mark, sei que posso confiar nele também.

     Já não sei mais o que acontecerá, estou com medo por todos nós. Eu posso ver o medo estampado no rosto de cada um, a insegurança, as várias perguntas, todas começadas com "e se". E se nada disso der certo? E se todos nós morrermos? E se finalmente conseguíssemos nos libertar dos Nefilins, o que vem depois? Conseguiríamos algum dia reverter a maldição? Estávamos com medo do desconhecido, afinal, quem não tem?

     Muitos de alguns dos meus parentes distantes tentaram me persuadir, dizendo que a maldição é um dom, uma dádiva. Eu não acredito, essa "dadiva" já tirou de mim tantas pessoas que amo, me fez perder oportunidades, amizades, me fez matar. Todas aquelas pessoas inocentes que cruzaram o meu caminho aquela noite, eu não queria, mas eu era tão jovem e não conseguia me controlar. Eu tinha oito anos, pode parecer clichê, mas sempre nas luas cheias eu ficava incontrolável, fora de mim. Parecia que uma força maior me comandava, eu não conseguia se quer mandar em algum membro do meu corpo, apenas ficava consciente, observando tudo. Era noite, pouco mais das 20h00, ainda haviam crianças na rua. Meus tios decidiram não me colocar no porão aquela noite, disseram que eu precisava me controlar fora daquele cômodo escuro.

     Quando a lua apareceu, eu me transformei em lobo, e sai correndo pela rua. Sei que algumas crianças ainda brincavam por lá com seus pais, algumas tentaram fugir, berraram por piedade, mas eu não conseguia parar, tinha sede de sangue. Uma sede doentia de apenas sentir o sangue alheio escorrendo pela minha boca, molhando meus caninos. Matei três crianças e três adultos naquela noite, incluindo minha vizinha Jannie, que estava grávida de sete meses, uma criança que se chamaria Aurora. Quando voltei ao normal estava em cima dela, observando sua garganta rasgada, os fios loiros manchados de vermelho e os olhos azuis que me encaravam vidrados e aterrorizados. Tive pesadelos com olhos azuis por meses, depois disso, eu mesmo me trancava no porão, me acorrentava, mesmo sem precisar.

     A pouco tempo, quando finalmente pensei que minha vida mudaria, que havia finalmente esquecido aquele dia, Mandy aparece num piscar de olhos, um piscar de grandes e lindos olhos azuis, estranhamente parecidos com os de Jannie. Em poucos meses Silena fica grávida e Mandy, sabendo que haviam poucas possibilidades de nascer uma menina, a batizou de Aurora. Sempre quando olhava para elas, juntas, uma angústia apertava meu peito. A cena dos cabelos loiros de minha vizinha cheios de sangue que caiam pelos meus dedos, seus olhos me observando aterrorizada, em pensar como Silena e Mandy juntas se parecem tanto com ela, com a mulher que matei. Tenho medo de que as duas tenham o mesmo destino nas minhas mãos, tenho medo de, em um surto de raiva, acabe as matando também.

Toca do Lobo - Batalha entre Dois MundosOnde histórias criam vida. Descubra agora