Capítulo 16

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     Eram 04h30 da manhã quando Pether me ligou. Começariam a construção às 06h e ele me convidou para ir, não pude recusar. Me arrumei com roupas escuras e logo estava na minha moto dirigindo por entre as ruas cobertas por neblina. A madrugada era fria e apenas os grilos cantavam ao longe. Me peguei pensando em como seria a minha convivência com Pether quando todos os outros aliados viessem para a cidade, ou até mesmo quando a guerra começasse. Tentaria ficar ao seu lado como sempre fiz, mas ambos estariam muito ocupados. As preocupações são grandes e serão ainda maiores. Mas precisarei focar no que está acontecendo agora, focar na casa, em Aurora, no meu avô, pai e treinador rondando e vigiando todo passo que dou. Terei de ser duplamente cuidadosa neste assunto.

     A estrada estava calma, escura e silenciosa. Me dava medo, éramos só eu e o barulho alto da minha moto por vários quilômetros até aparecer um carro na direção contrária, abaixar o farol, passar por mim e tudo voltar a ficar escuro a minha volta. Pareceu libertador no começo mas muito solitário depois de alguns minutos.
     Como a nova casa dos lobos ficava entre a minha cidade e a cidade de Emma, não demorei muito até chegar nas redondezas da propriedade dos lobos. Encostei a moto no acostamento da estrada, no meio do nada e liguei para Pether, dizendo que estava por perto, ele me disse que estaria ali em alguns minutos.

     Logo vejo um carro ao longe, só os faróis o sinalizavam, liguei minha moto e deixei o farol ligado para que, se fosse Pether, pudesse me ver. Quando o carro se aproximou o identifiquei apenas pela placa, era ele. Subi na moto e já estava preparada para sair. Ele não desceu do carro, apenas parou ao meu lado, abaixou o vidro me mostrando que era ele e deu meia volta, e assim o segui por mais alguns minutos. Pouco mais longe na estrada, Pether diminui e entra em uma estrada de terra que não se estende por muitos metros, e a frente é apenas floresta, ele não parou e seguiu desviando árvores e arbustos, continuei o seguindo. Ele parecia conhecer o lugar como a palma da mão.

     O sol já começava a nascer então ver o chão já não era um grande desafio. Não demorou muito para ele parar o carro e descer. Parei a moto ao lado e fui de encontro a ele, que me abraçou forte.
     — E então, quem vai ficar aqui e quem vai fazer a mudança? — Perguntei caminhando ao seu lado em direção a grande carcaça de madeira que já tinha o formato da próxima Toca dos Lobos.
     — Só o Mark e o Johnny farão a mudança. Alguns amigos da Emma irão vir para nos ajudar. A casa deve ficar pronta mais rápido do que pensei. — Respondeu animado. Eu já estava animada para começar, mas ainda deveríamos esperar o avô de Pether que distribuirá as tarefas para que não haja bagunça. Vários materiais de construção estavam organizados na clareira natural que foi escolhida a muitos anos para esta casa, janelas e portas tão luxuosas quando as da última casa, todos de vidro negro.

     Aurora era a mais animada. Corria, pulava, brincava, aquela floresta nunca havia visto tanta agitação quanto aquele pequeno corpo poderia prover. Nos divertiamos apenas olhando.
     Robert e Michel não demoraram a chegar e às 08h00 todos já estavam com seus trabalhos. Eu estava encarregada de carregar os pesados baldes de cimento que estava sendo preparado para o chão e o pátio. Não usariam muito pois preferiam não poluir tanto a visão de "natural" que queriam na casa. Este serviço era bom e quase fazia parte dos meus treinamentos diários com Kush. Resistência, força e velocidade.

     A tarde já se avançava e com tanta gente no trabalho, o primeiro andar já estava praticamente construído. Em baixo ficariam a grande sala de jantar, a cozinha, a sala e um banheiro, nos andares de cima seguiriam os quartos. Os menores já de costume de todos, e então os maiores que acomodariam nossos aliados.
     A noite foi chegando e os amigos de Emma se despediram, disseram que estaria aqui às 06h00 em ponto do dia seguinte. Mark e Johnny haviam chegado e já estavam trabalhando. Eu havia tirado alguns minutos de descanso, estava brincando com Aurora quando meu celular toca e o nome de Kush pisca na tela:
     —  Mandy, preciso te encontrar agora!
     — Mas o que foi Kush? Não estou em casa.
     — Me diga onde está, eu vou aí.
     — Não estou na cidade. Mas o que é? Me fale logo!
     — É importante, temo que a vida de uma pessoa que você gosta muito esteja em risco. Não posso te falar pelo telefone, eles me escutam. — A primeira pessoa que passou pela minha cabeça foi minha mãe. Eu não poderia deixar que nada acontecesse com ela.
     — Pegue a saída de Gramp, estou indo. — Desliguei o celular e sai de fininho, sem contar a ninguém. Pether me odiaria por não avisar a ele mas eu precisava correr, não poderia perder nem um segundo. Coloquei o capacete e levei a moto pela floresta, se eu a ligasse ali perto o barulho dela me entregaria.
    Quando achei que já estava longe o suficiente, montei nela e saí a toda velocidade. Pensamentos rodopiavam na minha mente, atropelando uns aos outros. E se algo tivesse acontecido a ela? Eu nunca me perdoaria.

     Vi o carro de Kush parado no acostamento alguns km depois que sai da floresta, encostei a moto atrás do carro e pude ver Brianna no banco do motorista, a porta estava aberta e Kush estava ajoelhado a sua frente, afagando seu joelho. Aquilo era tudo muito estranho e vi a confusão e terror no rosto da minha amiga.
     — O que esta acontecendo? — Perguntei quando cheguei. Brianna nem ao menos levantou o olhar para mim. Kush me pegou pelo braço e nos distanciamos alguns metros do carro.
     — Alguns dos aliados do Major foram até a casa dela hoje e tentaram levá-la. — Ele disse. Não tive reação.
     — Porque fizeram isso? E como ela está aqui com você?
     — Foram a pedidos do seu pai, ele planejava chantagear você emocionalmente para que ficasse ao lado dele. — O que? Ele ia machucar uma pessoa inocente pra nada? Ele machucaria a minha melhor amiga para me destruir emocionalmente?
     — E como você soube? — Perguntei quase sem voz.
     — Eu fui um dos convocados para isso. — Respondeu baixando o olhar — Eles sabiam que eu conhecia ela tanto quanto você e pensaram que seria mais fácil se eu estivesse com os outros dois, mas eu nunca deixaria que a machucassem, eu não poderia deixar isso acontecer. — Eu a olhei, ela ainda estava na mesma posição, com o mesmo olhar assustado olhando os carros na avenida.
     — Você deixou que eles entrassem na casa? — Ele poderia não deixar, poderia tê-la poupado de tudo isso.
     — Sim. Eu ia parar numa rua escura antes de irmos até la mas todos os carros do Major tem escutas e estavamos em um dos carros dele. Então entramos na casa e eu ia acabar com eles ali, mas a Brianna ouviu o barulho e desceu as escadas, um deles estava na cozinha e a pegou quando ela chegou no andar de baixo. Eu ataquei o que estava ao meu lado mas o que estava com a Brianna saiu da casa e já estava no carro quando consegui sair. Fui para casa correndo e peguei meu carro, indo atrás deles. Eu tenho o rastreador dos carros, então o segui até a divisa de Gramp. Ele conseguiu chuta-la antes de eu parar o carro e acabar com ele.
     Tentei processar a historia o mais rápido possível e pensar na minha amiga, na confusão dela.
     — O que você disse a ela?
     — Nada, eu vim direto para cá. Te liguei no caminho. Nós vamos ter que contar pra ela. — Ele me olhou suplicante. Não, ela não poderia saber.
     — Não. Se ela souber ficará pior.
     — Pior do que já está Mandy? Francis está atrás dela também. Ele quer te ferir e fará de tudo pra isso. Nós precisamos mantê-la informada, e viva.
     — Ela não pode saber disso Kush, será informação demais. Ela me odiaria, nos odiaria. — Supliquei. Eu não poderia perder minha amiga. — Eu vou protegê-la, você não pode contar.
     — Olhe pra ela, já aconteceram coisas piores, e acontecerão muitas mais, você sabe. — Abaixei o olhar.
     — Eu sei mas não vou deixar que nada aconteça a ela. — Disse e fui até Brianna.
     — Você está bem? — Perguntei. Ela me olhou e depois me abraçou com força.
     — Eu fiquei com tanto medo. Porque isso aconteceu? Eu não tenho mais nada, não tenho dinheiro. O que eles queriam comigo? — Ela sussurrava no meu ouvido em meio aos soluços do choro. Era tudo culpa minha. Eu abri a boca para falar, despejar tudo, mas não tive coragem, o que mudaria se ela soubesse? Isso só a deixaria com ainda mais medo, medo de sair de casa, de ir para a escola, de sair com os amigos, de viver. Eu não poderia fazer isso com ela.
     — Eu não sei, mas eu estou aqui. Kush e eu estamos. Faremos de tudo pra te manter segura. Confie em mim, eu não vou deixar que ninguém encoste a mão em você de novo. — Disse e a abracei, selando minha promessa.

Toca do Lobo - Batalha entre Dois MundosOnde histórias criam vida. Descubra agora