4 - O fogo

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Tentei ler meu livro, mas realmente não tinha mais cabeça para ler nenhum romance de ficção pervertido ou conto erótico naquela noite. Eu queria viver um. Apaguei a lamparina e deixei meu corpo cair sobre a cama. Ficaria ali olhando para o nada e alimentando minha imaginação até o sono finalmente chegar. Surpreendentemente, este não demorou. As pálpebras pesaram e eu submergi. 

Há muito tempo eu não dormia tão bem. Um sono pesado e ininterrupto. Pude até sonhar. No sonho, viajava em meu cavalo alugado pelas colinas de trigo. Estava feliz como nunca estive. Era uma plantação imensa, e lá no horizonte, bem ao longe uma moça com uma camisola mostrando uma parte dos seios acenava para mim. Eu já tinha visto aquela mulher em algum lugar. Seu cabelo agora totalmente solto e negro voava com o vento. Era Kate!! Ouvi alguém me chamar.. olhei para trás e vi Henry correndo ao meu encontro me gritando desesperado. 

Eu não queria falar com meu amigo naquele momento. Kate estava ali e era muito mais atraente do que o fanfarrão de má fama que no passado, me acompanhava em minhas noites perdidas. Voltei os olhos para a moça, mas Henry insistia em me gritar e atrás dele uma parede de fogo consumia o campo amarelo de trigo pendoado. Em pouco tempo as chamas vivas começavam a alcançar meu amigo, pensei em salvá-lo, mas não haveria tempo suficiente. Olhei novamente para Kate e ela continuava a sorrir e acenar como se não pudesse ver o fogo. 

Me senti o pior amigo do mundo, mas sabia que não teria chance de salvar McKenzie mesmo. A gente tenta salvar o que dá, então, apressei o cavalo e me concentrei em alcançar a moça antes das chamas e daríamos um jeito de sair dali. Mas o vento estava forte e as chamas aumentaram rápido demais. Senti o calor em minha nuca. Olhei para trás e meu amigo jazia em chamas e agonia. Por outro lado, a menina continuava um pouco à frente, serena e indiferente ao caos instalado. Não importava o quanto eu atiçava o cavalo a correr, aquilo não parecia ter fim e Kate parecia cada vez mais distantes. As labaredas começavam me alcançar quando acordei empapado de suor e com o sol batendo em minha bunda descoberta.

Perdi a hora. Levantei apressado, vesti minhas roupas e saí em direção à sala da estalagem.

- Esses pesquisadores levantam bem tarde hein sr. Corbat. – Cumprimentou-me a sra. Bender com um sorriso amistoso.

Eu realmente não sabia o que teria acontecido comigo. O homem que nunca dormia teria perdido a hora? A essa altura, não encontraria Henry na cidade de Cherokee em nenhuma hipótese. Ele já deveria ter partido para os campos há muito tempo. Chegar na cidade quase na hora do almoço já acarretaria num dia de trabalho perdido. Qualquer homem trabalhador já estaria procurando seu prato de comida àquela hora do dia. Quem trabalha em lavoura, especialmente, parte para o campo bem cedo e só retorna depois que o sol se põe.

A sra. Bender havia preparado um café da manhã muito cheiroso para mim, embora o horário não condissesse mais com o desjejum. Algumas panquecas com mel silvestre, mais uma xícara de café quente. Me alimentei, acertei a estadia, e me dirigi ao estábulo para preparar minha carruagem e seguir meu caminho. O plano era procurar outra pousada já dentro da cidade de Cherokee e aguardar meu amigo em algum saloon por ali para ficar à par da situação do local. Quando cheguei ao celeiro me deparei com Junior Bender concertando uma cerca que parecia ter sido arrebentada com o vento.

Perguntei o que tinha acontecido. O rapaz se desculpou e me contou que na noite anterior, enquanto eu dormia pesadamente, um vento forte passou pela região e levou um pedaço da estrutura. Fenomeno comum naquela região eram os ventos fortes e repentinos quebrando o silencio da noite. Me impressionava aquela pousada nunca ter se planejado e reforçado suas estruras para melhor assegurar os bens de seus hóspedes. Me intrigava uma ventania quebrando o silêncio da noite e eu, com meu sono de pena de ganço, permanecer em sono profundo. Meus cavalos haviam fugido, mas o senhor do estabelecimento já estava à procura deles. Me aconselharam a entrar e esperar o almoço.

Eu não poderia seguir meu caminho naquele momento. Já estava atrasado, e ainda perdi meus cavalos. Eu era um privilegiado, financeiramente falando, mas nunca significou que eu me disporia a pagar pelos cavalos perdidos para o locador. De qualquer modo, não adiantaria mais chegar tão cedo em Cherokee. Eu estava de mãos e pés atados, então, por que não deitar e rolar? Resolvi esperar o almoço mesmo e com sorte veria Kate novamente, com ousadia, buscaria um momento com ela. Aliás, onde andaria aquela mulher?

Antes que eu pudesse perguntar, a Sra. Bender saiu da cozinha para servir o almoço para mim e mais alguns passageiros que estavam ali. A mulher me entregou a refeição e me perguntou o que eu tinha achado de Kate. Meu coração conheceu o Ártico. A sinceridade não era uma possibilidade. Não se diz à mãe de uma jovem que você deseja devorá-la. O que eu achei de Kate? Achei que aqueles peitos chamavam minha boca e aqueles olhos enrijecia meu corpo. Achei que cabiam minhas mãos encaixadas naqueles quadris e as unhas delas encravadas nas minhas costas. Mas não podia explicar meus achismos vorazes à mãe de uma moça, então, só acenei a cabeça e disse que era muito graciosa. A mãe logo começou a reclamar. Disse que a garota já passava da hora de se casar, mas não parecia se interessar por nenhum rapaz da região, e tinha um gênio difícil. Não aceitaria um casamento arranjado. e

Estranhei o fato de a senhora Marli comentar sobre esses assuntos comigo. Ela continuou. Me perguntou se eu tinha família. Respondi que não, era casado com ciência e isso me bastava. comentou que sua filha gostara muito de mim, provavelmente por não ter muitos homens cultos pela região, e Kate sempre gostara muito de pessoas inteligentes. Senti um palpitar no coração.

A senhora Bender parecia ler meus pensamentos, pois falava exatamente o que eu queria ouvir e parecia arrancar de mim respostas para todas as suas perguntas. Justo eu que nunca fui muito de conversas pessoais.

Quando finalmente estava para perguntar onde Kate estivera toda a manhã a mulher me contou que sua filha tinha ido buscar água num riacho ali perto. O pai ainda estava a procura dos cavalos, o irmão consertando os estragos da ventania e a moça teria ido buscar água para as atividades rotineiras.

Imediatamente me ofereci para ir ajuda-la. Uma moça tão linda trazendo fazendo tamanho esforço, seria uma indelicadeza. Bom deixar claro que em outras ocasiões eu jamais me ofereceria para um trabalho braçal, mas considerando a possibilidade de passar alguns instantes a sós com Kate, eu me ofereceria até para uma viagem ao inferno. 

Katie BenderOnde histórias criam vida. Descubra agora