6 - O Perigeu

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Retornamos do riacho já depois das Ave Marias*. Fiquei apreensivo, temi que os pais dela pudessem desconfiar de alguma coisa, mas eles pareciam ter acreditado em tudo o que Katie inventou e nem mesmo pareciam se importar. Junior era o único que parecia incomodado, mas mesmo assim nem tocara no assunto.

Entregamos os baldes de água e eu fui conferir se meus cavalos realmente tinham sido encontrados. Eles estavam lá, perfeitos, como se nunca tivessem saído. Por um instante desejei que não estivessem para que o sentimento de culpa por não ter seguido viajem pudesse ser atribuído a eles novamente. Meu amigo estava desaparecido e mais uma vez eu passaria a noite ali. Katie havia me convencido da forma mais covarde possível. Não havia nada que ela pedisse enquanto me masturbava que eu pudesse recusar.

Expliquei ao sr. Bender que ficaria até o dia seguinte e acertei as contas para mais uma noite com uma boa quantia em dinheiro. Fui para meu quarto pensar um pouco enquanto aguardava o jantar. Repassava em minha mente cada momento passado com Katie, cada centímetro do corpo dela passando entre meus dedos. Eu tinha perdido um dia inteiro, mas parecia ter ganhado minha alma.

A maioria dos clientes da pensão Bender só estava de passagem. Faziam suas refeições e seguiam caminho. Realmente era um lugar isolado de tudo. Não consigo entender como conseguiam uma vida tão boa ganhando tão pouco. De qualquer modo, minha vontade era ir embora dali levando Katie comigo.

Durante o jantar, o pai de Kate sugeriu que ela lesse a minha mão para nos entreter um pouco. Eu achei um pouco estranho. Não sabia sobre esse dom da garota. Havia passado toda a tarde com ela e ela sequer tocara no assunto, mas de qualquer modo, tê-la ali segurando minhas mãos na frente de todo mundo sem levantar nenhuma suspeita sobre nosso relacionamento secreto seria ótimo.

Eu não sabia, mas aquela era a forma do sr. Bender escolher suas vítimas. Katie se aproximou de mim, ajoelhou-se aos meus pés. Aquela noite ela estava realmente deslumbrante com um vestido de alto corte rosa e os cabelos impecavelmente arrumados com uma mecha trançada como numa tiara. Aos meus pés, ela me olhou debaixo para cima e me deu um discreto sorriso saliente. Aquilo me deixava louco e completamente vivo instantaneamente. Voltando-se para minha mão, acariciando levemente numa sequencia sensual começou a fazer previsões e deduções.

Eu, muito pouco prestava atenção no que ela dizia, mas afirmava tudo que ela dizia com a cabeça. Só conseguia me concentrar nas carícias que ela me fazia, mas lembro-me dela dizer coisas sobre meu passado, alguns casos que tive, algo sobre minha falta de religião e vida de pequenos prazeres carnais. Nada de muito impressionante ou que não fosse fácil deduzir, vindo de um homem na casa dos quarenta, falso conservador e solteiro, mas de qualquer modo, impecável quanto à veracidade dos fatos.

A mãe dela, que nos observava todo o tempo perguntou:

- Acho que ele é da casa da lua cheia. Você concorda Katie?

Eu não entendi absolutamente nada do que ele quis dizer com isso. Olhei para Katie esperando uma resposta. Ela me pareceu um tanto nervosa. Segurou a minha mão um pouco mais severa, mas mesmo assim sensual como só ela conseguia ser, e continuou, agora fazendo previsões futuras:

- A lua cheia reserva algo para você! - Ela mais uma vez olhou para mim com uma sobrancelha arquejada - A lua tem poderes sobrenaturais, você sabia? Só ela pode revelar a verdade e curar as impurezas no coração dos desajustados. Você seria um belo presente!

Eu continuava sem entender absolutamente nada. Tentava me concentrar novamente nos toques de Katie, mas ela agora falava num tom diferente, como se quisesse revelar algo escondido em entrelinhas.

- O senhor é um homem integro nobre, saudável.. A lua certamente o abraçaria de boa vontade - a formalidade com que disse "o senhor" certamente não combinava nem um pouco com os chupões que aquela mesma boca havia deixado tatuados em meu corpo mais cedo, mas de alguma forma, ela parecia diferente - A lua conceberá ao senhor uma oportunidade única. O senhor será valioso e reconhecido por seu sacrifício.

Não gostei da palavra "sacrifício", mas deduzi que Katie estivesse falando sobre meu trabalho nas plantações de trigo. Eu realmente esperava certo reconhecimento por essa pesquisa. Se eu tivesse um bom desempenho, poderia finalmente alcançar o tão sonhado título de Professor Honoris Causa.

Eu nunca acreditei muito em coisas esotéricas, mas confesso que aquelas previsões me interessaram. Quis saber mais alguma coisa. Perguntei se ela seria capaz de ler mais alguma coisa. Ela balançou negativamente a cabeça. Disse que seus poderes ainda não estavam no ápice, mas que amanhã teria seu perigeu**, e que seria capaz de dizer absolutamente tudo o que eu quisesse saber sobre meu futuro.

Eu estava decidido a ficar pro mais uma noite e isso era tudo. Eu não podia desafiar a sorte da cabeça do meu amigo desaparecido por mais tempo. Já me sentia culpado o suficiente. Eu nunca fui tão irresponsável, e jamais tinha cedido tanto assim por causa de um rabo de saias. Eu não era capaz de compreender o que estava se passando comigo, mas aquela mulher conseguia controlar todos os meus desejos, persuadir meus pensamentos e manipular todas as minhas decisões. Eu me sentia tentado a esperar a "grande noite do perigeu", mas tinha certo receio. Já tinha sido negligente o suficiente, precisava encontrar meu amigo, voltar ao meu trabalho e aos meus alunos. Meus alunos, minha vida normal, minha rotina... Eu mal conseguia me lembrar da minha vida antes de Katie. Eu já não era mais aquele homem independente e livre de amarras que levava uma vida libertina rodeado de livros e prazeres, mas um pobre desgraçado apaixonado, completamente depende de uma mulher só, como um cachorro depende de seu dono. Eu agora me sentia dividido entre voltar à minha realidade ou viver como um daqueles cretinos monógamos que eu sempre criticava por sua mediocridade. Ter uma vida, que antes me parecia tão sedutora e agora não passava de uma vida fria, amarga e solitária, ou me deixar apreender de vez por um cordão umbilical que me alimentava e me viciava de uma mulher só. De uma coisa eu tinha certeza: eu perderia mais uma noite naquela estalagem sem conseguir pregar os olhos por sequer um segundo.

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*Depois das Ave Marias - No final da tarde

**Perigeu - ponto da órbita de um astro ou satélite em torno da Terra, no qual ele se encontra mais próximo de nosso planeta.



Katie BenderOnde histórias criam vida. Descubra agora