12 - Epílogo - Rose Baker

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Era uma linda manhã no manicômio de Kalamazoo e os menos doentes começavam a acordar para o café da manhã. As enfermeiras que abriam plantão começavam o seu corre-corre entre um quarto e outro a fim de remediar cada paciente de acordo com sua particularidade.

Embora não fosse exatamente o sonho de infância de Rose, que queria ser médica um dia, ela até gostava de trabalhar ali. Alguns pacientes eram bastante engraçados, outros nem pareciam ser realmente loucos, e tinha um em especial que ela realmente se afeiçoara e o tornou seu amigo. Ele era completamente biruta e ficava insistindo em escrever um livro para deixar de recordação quando sua amada fosse busca-lo, o que era estranho, afinal, aquele homem era tão solitário. Nunca recebia visitas, nem cartas, nem nada. Suas despesas eram sempre pagas sem atraso, mas ninguém nunca se manifestara a saber dele. Além do mais, os médicos jamais dariam alta para um homem que, embora não fosse dos mais loucos, vez ou outra tinha seus surtos, tentava se matar, gritava, chorava e só se acalmava a base de sedativos.

Rose sabia que ninguém jamais conseguiria entrar ou fugir daquele lugar, até porquê, as vezes Kalamazoo mais parecia uma prisão, então se esse fosse o plano de seu maluquinho favorito, era melhor ele desistir. Mesmo assim, Rose gostava de vê-lo entretido com alguma coisa e dava todo seu apoio ao livro do paciente mais intelectual que já tinha visto. Ela ficou sabendo que a história de vida dele era bastante conturbada e podia imaginar o quanto deveria estar sendo difícil viver ali. Sempre que conseguia, a enfermeira trazia alguns agrados para Julian, como livros de literatura e cadernos que ele se dispunha rabiscar com um monte de palavras que nunca deixara ela ler. As vezes, quando não estava correndo pelos corredores do edifício para acudir algum paciente em crise, ela se sentava para ouvi-lo viajar em suas estórias e lhe contar sobre os livros que já tinha lido. Era para a moça um momento de escape de sua vida solitária que ela mesma escolheu trilhar.

Rose Baker era uma jovem muito bonita. Cabelos escuros, rosto inocente e de uma delicadeza que fazia qualquer um desacreditar que aquela mocinha frágil era na verdade uma mulher forte e decidida que não aceitava para si os termos de submissão de um casamento arranjado e encarou o próprio pai para correr atrás dos próprios sonhos. Tinha se formado a pouco tempo e estava ali a apenas um ano, mas desde criança já havia escolhido sua profissão e exercia suas funções com muita paixão. As outras moças do lugar brincavam que Rose estava apaixonada pelo seu paciente, que carinhosamente ela chamava de Don Juan de Kalamazoo. Ela entrava na brincadeira e dizia que se casaria com ele assim que ele esquecesse uma namorada do passado a quem ele insistia em ser fiel. Rose adorava o jeito que Julian Corbat falava, com tanta segurança e auto estima como se fosse o homem mais inteligente e importante do mundo.

Naquela manhã, Rose tinha prometido a Corbat que levaria flores para ele. O paciente insistira muito para que ela levasse no dia anterior, mas a moça trabalhava dia-sim-dia-não e no dia ela não estaria escalada, então garantiu que levaria para ele um lindo buquê na manhã seguinte quando assumisse novamente seu plantão.

Rose apanhou as flores e se encaminhou para o quarto 412, onde estaria o seu paciente romântico. Absorta em pensamentos, ela ria da ironia de levar flores a um homem internado num manicômio justamente no dia de seu aniversário. A mulher que se recusara a levar uma vida de dona de casa dependente do esposo, morava sozinha longe dos pais, não tinha amigos, solteira e via muita gente lhe virar a cara por não ser só mais uma "Maria vai com as outras", agora iria comemorar seus 23 anos junto à pessoa que mais se parecia com um amigo que ela podeira ter. O único que, mesmo que seja por causa de seus próprios traumas, não a apontava como vadia ou coisa pior apenas por ter preferido viver de acordo com as próprias regras.

Infelizmente a vida não era muito generosa com a srta. Baker e resolveu presenteá-la com uma surpresa tão desagradável que jamais teria passado pela cabeça dela. Ao abrir a porta do quarto, não pode acreditar no que via. O desespero tomou conta da moça que, apesar da voz embargada num pranto desconsolado, conseguiu gritar por socorro. Primeiro um bramido baixo, como se pedisse ajuda para ela mesma, depois mais alto para que pudesse acreditar no que via, e finalmente um bem alto que pode ser ouvido em todo o edifício.

Quando os médicos e outros enfermeiros chegaram correndo ao quarto, encontraram uma Rose perplexa, tomada em lágrimas e em estado de choque olhando para um homem no chão, todo empapado e caído sobre sua própria poça de sangue. Em sua mão esquerda tinha um marrão todo ensanguentado que sem duvidas fora usado para abrir aquela rachadura no crânio do paciente.

Com a cabeça esmagada e a massa encefálica exposta, Julian Corbat jazia no chão do próprio quarto com as flores que Rose tinha trazido e deixado cair sobre ele após o susto de vê-lo naquele estado. Era inacreditável que alguém pudesse ter feito tamanho estrago na própria cabeça, ou mais ainda, como aquela arma teria chegado até aquele lugar impenetrável?

Algumas pessoas sugeriram que Julian Corbat havia sido assassinado, e não se suicidado, conforme a imagem deixava a subentender, porém, a porta estava trancada e somente a equipe médica possuía as chaves. Embora as janelas estivessem abertas, o quarto ficava no quarto andar de um prédio com paredes lisas e impossíveis de serem escaladas.

Era um mistério para todo mundo o que tinha acontecido naquela sala. A perícia dizia ser impossível o suicídio, já que a vitima era canhota e a pancada tinha sido no lado direito da cabeça. Além do mais, a posição da marreta em relação ao corpo parecia ter sido colocada propositalmente, e não caída após o impacto. Ao mesmo tempo, a porta havia sido trancada por dentro embora Rose tivesse a destrancado por fora. Não tinha nenhum vestígio de que outra pessoa teria entrado no quarto antes dela e seria um crime suspeitar daquela jovem em prantos por perder seu único amigo.

O fato é que aquele paciente estava morto e ninguém era capaz de decifrar o mistério que o envolvia. Porém, de alguma forma, Julian Corbat parecia saber o que lhe aguardava, pois deixara sobre sua mesinha vários escritos destinados a um amigo cujo nome nunca fora citado. Rose se encarregou de guardá-los já que aparentemente era sua única companhia também e além do mais, era a única coisa que sobrara de seu amigo maluco.

Não havia muito a ser feito. O homem não tinha muitos contatos e todos os que tinham eram de outro estado. No livro de Julian Corbat, ele falava de uma namorada, que de acordo com os descritos seria a principal suspeita da atrocidade, mas em todo o país, ninguém parecia saber quem era aquela mulher.

Envolto num mistério sobre sua morte, o cadáver foi enterrado nos jardins de Kalamazoo sem nenhum parente ou amigo que não fosse Rose para velá-lo, e daquele dia em diante, além da jovem enfermeira que vez ou outra o levava flores, o nome Julian Corbat nunca mais foi citado ou lembrando em nenhuma parte do mundo.







Katie BenderOnde histórias criam vida. Descubra agora