2 - Carta de Pittsburg

158 8 0
                                    

- 2

Minha vida era bastante sólida antes do ocorrido. Professor respeitado entre os alunos, pesquisador conceituado, condição financeira acima da média da maioria das pessoas da região. Era um homem bem sucedido. Tinha basicamente tudo o que eu queria. Era bastante observado entre as mulheres, não querendo me gabar, mas eu realmente tenho jeito com elas apesar de nunca ter me casado. Talvez até por isso mesmo, pois livre de amarras, pude apreciar as mais belas rosas e seus diversos perfumes. Sabia compreendê-las como ninguém e prendê-las a mim enquanto fosse de minha vontade. A paixão pela ciência sempre foi mais forte que a vontade de me submeter à uma família, apesar de que depois de algum tempo de amores passageiros, o que dizem é verdade e a solidão começa a bater na porta e a gente realmente sente falta de um corpo feminino para esquentar o nosso nas noites mais frias. O que convenhamos, é um placebo e eu sempre substituí por álcool e cigarros. Você não sente falta daquilo que nunca teve.

Era 21 de março de 1873, início da primavera. É quando o trabalho de todo pesquisador agrônomo mostra seus resultados. O inverno havia sido bastante rigoroso e era a temporada perfeita para retomar os trabalhos nas pesquisas dos campos de trigo. Tínhamos nove meses de trabalho árduo até que o inverno chegasse e novamente interrompessem nosso progresso. Se tudo corresse bem, até o solstício de verão já deveríamos ter superado as metas do ano anterior. Mas como não pude prever, não correu tudo bem. Tudo desandou mais rápido do que pude reagir.

Graças à intensidade do inverno, uma das grandes fazendas de trigo que prestávamos suporte teve uma série de pragas desenvolvidas em suas terras. Recebi uma carta da Universidade de Pittsburg me convidando para uma visita à região para colher algumas amostras e achar uma solução. Nossa maior financiadora não podia correr o risco de perder sua lavoura e aparentemente, as patologias estavam muito além dos recursos intelectuais dos pesquisadores daquela universidade. Seria mais uma oportunidade para que eu apresentasse uma solução salvadora e ganhasse mais uma honra para meu currículo. Esse tipo de coisa realmente movia a minha vida. Viajaria de trem até a cidade Pittsburg e então, alugaria alguma carruagem que me levaria até Cherokee, onde estavam acontecendo as anomalias.

Já havia viajado para diversas regiões do Kansas e de outros estados próximos, mas sempre gostei de Pittsburg de um modo particular. Seria ótimo rever meu antigo colega de faculdade e melhor amigo Henry McKenzie. Um dos ícones no campo de pesquisas agropecuárias e provavelmente o homem que havia me mandado a carta convite. Nessa vida não fazemos muitos a não ser que tenhamos interesses em comum. Nesse caso, Henry e eu compartilhávamos o amor pela agronomia e pelas mulheres. Tínhamos assuntos suficientes para muitas noites e a fuga para a vida de prazeres nos aproximou quando precisávamos nos distrair das paredes das salas de aulas e canteiros da faculdade.

Quando cheguei à universidade de Pittsburg, fui informado pelo reitor dr. Edgard Thompson que McKenzie já havia partido em direção ao Cherokee desde o início do inverno, quando começaram os problemas nas plantações da região, e desde então, não manteve contato com a universidade. A princípio, acreditava-se que por causa da estação, a comunicação tornara-se complicada, mas já estávamos no meio da primavera, o clima estava ótimo, e mesmo assim, nenhum sinal de vida de Mckenzie. Não encontrar meu amigo e não ter notícias dele me deixou um tanto preocupado. Mas como bem sabia, aquele crápula nunca foi de dar muitas satisfações. Na época de faculdade sempre foi o mais festeiro e namorador. Muito mais do que eu que sempre fui mais reservado e discreto. Ele já havia se casado pelo menos duas vezes, mas nunca perdera seu jeito aventureiro. Embora nunca tivesse sido irresponsável com seu trabalho, imaginei que tivesse encontrado uma bela mulher Cherokee e se esquecera de mandar satisfações para a universidade para aproveitar melhor o tempo livre nos braços de um rabo de saia. Eu tinha certeza que assim que chegasse à cidade, no primeiro Saloon que entrasse encontraria o Dr. Mckenzie bêbado como um urso, com as mãos nos peitos de uma senhorita com pouca roupa.

Eu não queria perder tempo. Já estava quase no final de abril, eu precisava recolher as amostras e voltar para minhas aulas e pesquisas em Lawrence. Além do mais, estava louco para desvendar o que estaria fazendo Henry, para demorar tanto a dar notícias. Aluguei a carruagem para facilitar o transporte das malas e livros e a volta com as amostras de solos, plantas e o que mais encontrasse de estranho por lá. Escolhi dois bons cavalos que pudessem também me levar aos meios dos campos de trigo à cela, onde as rodas não conseguem chegar. Organizei as malas para que pudesse seguir viagem. Não era um caminho longo e em algumas horas e eu estaria lá, mas a estrada era bem deserta e eu não gostaria de viajar no calor do dia. Encontraria uma pensão pouco antes de chegar à cidade, pois certamente seria recebido com balas se chegasse durante a madrugada, e pela manhã terminaria de chegar e encontraria meu amigo antes que ele pudesse sair para os campos da redondeza. 

Katie BenderOnde histórias criam vida. Descubra agora