"Capítulo 34"

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Capítulo 34

Cada palavra daquela maldita cara da Miriam Rezende estava bem marcada em minha mente, era meio impossível esquecer as palavras "proposta" e "uma ótima experiência". Só que eu não queria aceitar essa proposta porque eu já estava em uma ótima experiência. E a aula de hoje com a Olivia não estava ajudando em nada; aprender em doze passos como é lidar com crianças em um estúdio fotográfico era o ápice da minha tortura, já que a Miriam Rezende é conhecida pelo seu ótimo trabalho como fotógrafa infantil. Merda.

- A arte de fotografar crianças é totalmente inspiradora, um desafio gostoso e divertido de brincar enquanto trabalha. Afinal, é impossível não se contagiar com a alegria dessas criaturinhas maravilhosas. Mas também vamos concordar: não é nada fácil fotografar uma criança! E por não ser uma tarefa assim tão fácil, montei uma lista com 12 dicas práticas para fotografar os pequenos. Formulei essas dicas por experiência própria, já que entre tantas áreas da fotografia, fotografar a criançada tem sido uma das minhas preferidas - Olivia parecia animada, que bom pra ela.

Eu não comia direito há três dias, e Karen já estava me olhando torto. Não era, dessa vez, por minha culpa, mas com tudo isso eu não estava sentindo a mínima fome. Estávamos entrando na terceira semana de novembro, as provas se aproximavam, eu tive que agradecer ao Simon pelo telefone pela chance de fazer o photoshoot dos meninos, porém dizer que não ia poder fazer, já que a escola não me liberou por quatro dias. Tinha a entrevista pra Teen Vogue e a sessão de fotos - coisa que eu não gostava de pensar - ia fotografar os meninos no fim de semana para os outdoors da turnê Take Me Home e divulgação do CD, tinha essa carta e ainda eu precisava lidar com minha mãe em outro continente. Sério, qualquer coisa que eu lesse sobre mim mesma eu não ia dar a mínima essa semana.

- Jéssica ? Jéssica Alves?
- Mmmmm.... - murmurei, me dei conta que estava de olhos fechados - Karol?
- Você tá dormindo? - ela meio que ria - Tá que eu também não curto aulas com slides e esse escurinho tá me dando sono, mas você dormindo?
- Qual o problema? - limpei uma pequena babinha que ameaçava descer da minha boca - Eu to cansada.
- Eu percebi que você não está dormindo direito e fala demais enquanto dorme. Tá acontecendo alguma coisa?
- Está! - ia adiantar alguma coisa eu falar "não, não está?" - Mas não quero falar sobre isso, especialmente com você.
- Por que especialmente comigo?
- Você é mais surtada que eu, a última coisa que eu preciso agora é alguém dando piriri mais do que a minha própria pessoa - eu ri. Senti minha barriga roncar. Ai, caceta.
- Comida pra que, não é? - ela parecia brava - Se você está assim, sem comer, por culpa do photoshoot na Vogue, olha...
- Não é por isso, Karen - se bem que, olhando por esse lado... - Eu só estou com muita coisa na cabeça e não sinto fome.
- Não sei o que é pior - ela se virou, procurando alguma coisa na mochila - Quando você come e coloca pra fora ou quando não come.
- Eu parei com isso, sabia? Fui ao nutricionista, como você e a Dra. Violeta pediram, voltei nela umas três vezes e tô me cuidando.
- Mas está sem comer - ela apareceu com um cupcake dentro de uma caixinha plástica rosa - Pra você.
- Não quero.
- E eu perguntei se você quer? Estou te dando, e é pra comer - ela deu uma olhada rápida no relógio - Quinze minutos e a aula termina, vamos direto pra alguma padaria comprar algo decente pra colocar no seu estômago. Enquanto isso, coma esse cupcake.
- Já disse que não quero, Karen.
- Deixa de ser teimosa? - ela abriu a caixinha, arrancou um pedaço do cupcake com as mãos e apontou pra minha boca - Vai abrir por bem ou por mal?
- Você vai me enfiar esse pedaço goela abaixo, a força?
- Se for preciso...
- Maluca! Você é maluca! - e nessa minha abertura enquanto eu falava, Karen enfiou esse pedaço de cupcake na minha boca e a fechou, esperando eu mastigar e engolir. Me senti uma criança de cinco anos.
- Melhor assim - ela lambeu os dedos - Se não quiser que eu faça isso com ele todo, coma por conta própria.
- Puta merda - peguei o cupcake e o fechei de novo na caixinha, ela me olhou brava - Hã? É pra eu comer agora?
- Óbvio.
- Estamos no meio da aula.
- Você estava dormindo cinco minutos atrás - ela sorriu vitoriosa - Come, antes que eu ligue pro Louis e fale que você não está se cuidando, de novo.
- Saco, saco, que saco! - peguei um pequeno pedaço do cupcake e coloquei na boca. Estava delicioso, e meu estômago agradeceu, mas eu não estava com fome.
- Dica número quatro: Bokeh - Olivia sorriu, ela estava empolgadinha demais hoje. Ou eu que estava mal humorada? - Eu costumo chamar o efeito bokeh de "estrelinhas". Trata-se do efeito que ocorre nas áreas desfocadas da fotografia, produzido por lentes de com grandes aberturas. Escolha lentes claras para fotografar crianças. Além desse tipo de lente tornar a focagem mais fácil (no AF), elas produzem lindos bokehs. Recomendo duas lentes em especial: a de 85mm e a 50mm.
E lá vamos nós discutir a dica cinco, seis, sete... Será que Olivia conhecia Miriam Rezende? Ela podia me dar uma luz a respeito do assunto.
- Dica número nove: Fotografar em preto e branco - ai, Deus! Eu tô começando a ver tudo em preto e branco, Olivia - Apesar de ser uma grande defensora da fotografia colorida para crianças, não posso negar que um belo retrato preto e branco envolve uma expressividade maior. E juntando com os olhos carregados de sentimentos, o preto e branco é uma grande cartada para um retrato de impacto.
- Alguém me explica o motivo pra essa mulher estar tão empolgada hoje? Dormiu com alguém importante?
- Danny Jones que não foi... - falei, rindo com uma piada muito infame. Lambi os dedos, terminando de comer o cupcake e olhei rindo pra Karol - Acabei, mamãe.
- Começa a brincar com coisa séria... - ela riu - Ótimo, saindo daqui vamos passar em uma padaria.
- O fato de eu ter acabado de comer um cupcake já não está bom?
- Pra mim que não está - ela riu - Olha, acabou! - ela apontou para Olivia, que desligava os slides e falava as suas considerações finais - Pronta pra ir embora? As bichas também acabaram de acordar - ela apontou para Sam e Lucas que limpavam as babas e sorriam com culpa para Olivia.
- Pelo menos eles dormiram - suspirei.
- Hey, te acordei porque te amo e ainda te dei comida - Karol riu - Vamos?
- Escuta, eu preciso trocar umas duas palavrinhas com a professora antes de irmos, pode me esperar lá embaixo.
- Vai dar uma de espertinha pra não querer ir na padaria?
- Claro que não - me levantei e guardei meus livros e cadernos na mochila - Eu juro que tenho que conversar uma coisa séria com ela, mas é rápido.
- Ok - Karol suspirou, óbvio não acreditava em mim - Te espero na portaria com o Lucas e o Sam.
- Obrigada - sorri e dei um beijo em seu rosto - E sim, obrigada pelo cupcake.
- Não há de quê.

"500 days in london"Onde histórias criam vida. Descubra agora