TOMA, QUE O FILHO É TEU!

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A mulher, com a criança nos braços, entrou na igreja gritando:

- Padre! Toma que o filho é teu!

Era Domingo, a casa de Deus estava entupida de gente. A mulher nem sequer olhou para os lados, e novamente gritou:

- Toma, padre! Toma, que é teu!

Ouviu se um "oh" de espanto. Os corolas fizeram o sinal da cruz, batendo com as mãos três vezes na boca. O padre assustado, apenas acompanhava a entrada da mulher com a criança nos braços. O coroinha, mais assustado do que o padre, sussurrou no seu ouvido:

- Padre de Deus! E agora?

E o padre, nada. Sua voz não saía de jeito nenhum. A mulher subiu no altar, entregando o filho ao padre:

- Toma, padre, toma, que eu não crio mais! - e saiu em disparada, igreja afora.

O representante de Deus pegou o guri nos braços. Um sujeito, com cara de consumista, falou para o colega ao lado:

- Olha só como é a cara do safado!

Várias pessoas começaram a sair da igreja, comentando o acontecido em voz alta para que todos ouvissem:

- Bem que eu desconfiava desse padreco de meia tigela!

- É o demo! É o demo!

Mas nem todos estavam contra o padre:

- Eta padre porreta, sô! Esse é dos meus!

Os mais chegados numa hostiazinha ficaram para tirar satisfação com o dito cujo:

- É verdade, padre? Esse menino é seu?

E o padre, nada. Silencioso, balançava o menino de um lado para o outro, para impedir que chorasse. Um outro cidadão católico, mais exaltado, gritou:

- É verdade, padre duma figa?!

O padre bem que tentou dizer alguma coisa, mas só conseguiu soltar sons incompreensíveis:

- Ughhhhh... arghhhhh... hummmm...

O coroinha tentou ajudar:

- Vamos, padre, desembucha, homem de Deus!

O com cara de comunista, lá no fundo, soltou mais uma:

- Gente do céu! Vocês não estão vendo que o guri é a cara do homem?! Olha só os olhos, o queixo... e o nariz então?! Não dá nem pra esconder!
Os poucos que sobraram na igreja foram verificar:

- E não é que é mesmo?

- Puxa vida, é a cara do padre!

- Jesus! É a cara dum, focinho do doutro!

E o padre olhava para o guri com os olhos cheios de lágrimas, sem conseguir dizer uma única palavra para se defender.
A notícia do ocorrido se espanhou rapidamente pela cidade e aos poucos a igreja estava tomada de curiosos.
A lei chegou. O delegado foi ao encontro do acusado:

- Padre, é verdade o que estão dizendo por aí?

O delegado não obteve resposta nenhuma. O coroinha interveio novamente:

- Não adianta, seu delegado, o homem não consegue falar nada.

A imprensa chegou. Enquanto o delegado interrogava o padre, o repórter entrevistava os fiéis. A bagunça se formou no recinto religioso. E o padre, caladinho, balançava o menino de um lado para o outro, tentando fazê lo dormir. O delegado dirigiu se ao coroinha:

- Cadê a mãe da criança?

- Entregou o filho ao padre e sumiu, ninguém sabe pra onde.

Depois de muitas horas na igreja, vendo que o padre nada falaria, o delegado ordenou:

- Vão todos embora, a lei tomará as devidas providências!

E todos saíram indignados. O delegado votou se para o padre:

- Olha, padre, esse negócio aí não é da minha competência, o senhor sabe. Não cabe a justiça averiguar o caso, cabe somente á igreja, é ou não é?

O padre balançou a cabeça de cima para baixo. O delegado continuou:

- Se realmente esse guri aí for do senhor, acho melhor desaparecer da cidade o quanto antes. O senhor sabe como é o povo daqui, ou não sabe?

O padre novamente balançou a cabeça, afirmando que sabia.
No outro dia, antes do sol raiar, o padre tomou o filho nos braços, beijou lhe a testa carinhosamente e pôs o pé na estrada.

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