Capítulo cinco

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Corro até Alice, que está desacordada e sangrando muito. O motorista desce do ônibus levantando as mãos para o céu desesperado, aos poucos o aglomerado de gente começa a rodeá-la, eu grito para que se afastassem, mas ninguém me vê ou ouve, e esse fato é simplesmente frustrante. Resignado volto minha atenção só para ela: Alice! Percebo que seu pulso está fraquinho. Não ela não pode morrer, o pai celestial, não a leve, não agora.

Ainda que meu único interesse é saber dela, a ponto de não me interessar por mais nada. Não posso deixar de notar como é incrível ver as pessoas inconscientemente se desviar de mim, é como se soubessem que estou aqui. O ruido de vozes é grande, e não percebo quem foi, mas alguém deve ter chamado a ambulância, pois depois de um tempo que parece uma eternidade ela apareceu, notei que um paramédico encontrou uma bolsa minúscula presa ao corpo dela, como não vi isso? Mas estou muito preocupado com seu estado físico, depois pensaria nisso. Entro na ambulância junto dela, acariciando sua cabeça. Acompanho cada procedimento médico a qual foi submetida, por um lado eu estou aliviado pois o anjo da morte não apareceu, mas pelo outro eu sei que algo muito sério aconteceu com ela e muito me inflige isso.

No hospital colocaram-na nos aparelhos, nunca procurei saber o nome deles, no único momento em que a vida dos mundanos me interessou não existia tecnologia e a vida dos humanos era mais simples. Sempre achei essas invenções inúteis. Considerava uma besteira tentar prolongar a vida de um moribundo, o descanso na mansão do silêncio é tão bem-vinda para quem sofre, não via motivos para isso. Na bem da verdade é certo que desconheço tais dores, pois a única dor que senti é a dor da alma, a dor de perder quem se ama, sem poder fazer nada para evitar, a dor de se sentir impotente. A dor carnal que nos os caídos sentimos é mínima e pode ser comparada com uma agonia, uma longa e eterna agonia de depender dos pecados dos humanos, nosso alimento.

Olho para Alice, como está pálida. Sinto algo que a muito tempo já não sentia: Medo! Medo de que a qualquer instante o anjo da morte entre nesse quarto e a leve, antes mesmo de ter a oportunidade de agradecer tudo o que fez por mim. Foi então que pela primeira vez na vida agradeci aos humanos e suas bobagens, por terem inventado aquela máquina capaz de protelar a vinda do anjo. Mas por quanto tempo?

Perdido em meus pensamentos nem percebo que o médico tinha ido e eu não descobrira qual era seu estado. Quero ir atrás dele, mas não posso sair de perto dela nem um segundo que seja.

—Saia de perto dela agora!— Me assusto, pois não esperava que alguém pudesse me ver ali. Olho para ver quem era e reconheço seu rosto, embora não soubesse seu nome, mas não resta dúvida, é um anjo da morte.

—Você veio para levá-la?— Perguntei num sussurro, com medo de ouvir a resposta.

— EU MANDEI VOCÊ SAIR DE PERTO DELA.— Ele veio para cima de mim, não respondendo minha pergunta.

—Espera! Não me ataque. Eu. Eu. Gosto dela.— Falei desviando os olhos dele para Alice, tão imóvel em seu leito.— Responde! Veio para levá-la?— Sinto o peso sobre meu coração, parece que vou sufocar a qualquer momento. Mas não me arredei nenhum centímetro do lugar. O anjo deu risada, zombando da minha cara.

— O que isso lhe importa? Não vou deixar que faça mal a ela.— Fico confuso, por que cargas d'água eu faria mal a ela? Ai me lembro que sou uma criatura das trevas.— Vocês, demônios não gostam de ninguém, só gostam de si mesmo.

— Eu nunca me alimentaria dela.— Só a ideia me causava repulsa.

— Só diz isso por que estou aqui!— O poder do anjo ondula ao me redor, tentando me repelir, mas não estou disposto a desistir tão facilmente.

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