Capítulo seis

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Pedro

Cara minha cabeça está zuada, já não sei mais o que pensar. Está tudo tão confuso que não sei mais nem que sou. Preciso de um tempo para refletir, o melhor lugar para isso é o litoral. Fui tomado pela lembrança do último momento em que desejei ir para praia, antes tivesse ido. Talvez, agora as coisas fossem como antes. A viajem até o litoral foi rápida, escolhi um canto com muitas pedras e me sento olhando o vai e vem das ondas. Respiro fundo sentindo aquele aroma salgado, o barulho da água me acalma.

Agora sim, consigo pensar com calma em tudo que me aconteceu. Há dois dias eu não fazia ideia de quem era meus pais, agora sei que além deles tenho duas irmãs. Mergulho em minhas lembranças revivendo cada instante do que vivi depois que Alice fugiu:

Eu andava de um lado para o outro nervoso, não podia sair dali e ir atrás dela, que inferno... Eles estão demorando, e Alice? Onde terá ido?

Eu sentia que existiam demônios por todos os lados, era forte a presença deles, mas nenhum deles chegava até mim... Depois de um tempo que parecia uma eternidade, Haniel chegou com os pais da Alice.

— Fernanda e Azrael tem algo muito importante para lhe contar.— Foi então que ele percebeu que Alice já não estava ali.— Cade Alice?

— Ela simplesmente saiu, não pude ir atrás dela.— Ele sabia muito bem o motivo.

— Eu deveria ter imaginado que isso aconteceria.— Haniel parecia falar consigo mesmo.

— Temos que ir atrás dela, depois conversamos com você dois juntos.— Azrael pronunciou.

—Não! Ninguém vai atrás dela!— Fernanda parecia que ia ter um troço.

—O que? Ela não enxerga, sabe o que pode acontecer com ela?

— Não vai acontecer nada do que não tenha acontecer. Me admiro você, que sabe muito bem como funciona os desígnios divinos, me questionar sobre uma coisa dessa.

—Você não entende, né Haniel. — ela falou com os olhos marejados.

— Eu entendo muito bem. Deixe Alice nas mãos do todo poderoso, ficou com ela por muitos anos, não está satisfeita? Não está feliz de poder conhecer seu outro filho?

Outro filho? Foi isso mesmo que ouvi?

— Do que estão falando?—Tinha um pressentimento estranho, e meu estômago deu um nó em antecipação.

— Filho, nos precisamos lhe contar algo muito importante.— Azrael parecia um tanto desconfortável, sem saber direito como falar.

—Sim?— Tentei incentivar. Fernanda se aproximou muito de mim, parecia querer me abraçar, mas não se encostou. Tive certeza que ela sabia o que acontece com quem toca em mim.

—Você nos da licença Haniel? Para que possamos ter essa conversa em particular?

— Ah humanos! Sabem que nada passa despercebido aos nossos olhos a ainda assim tentam se esconder. Tudo bem, mas estarei por perto.— Eu não conseguia assimilar direito nada, nem mesmo imaginar o que esses dois humanos teriam de tão importante para me contar, e que deveria ser longe do arcanjo.

— Vamos sentar um pouco?— Pensei em discutir, dizer que estava bem assim mesmo, em pé, mas alguma coisa em meu íntimo me dizia que era melhor eu sentar-me e escutar atentamente o que eles tinham para me dizer.

Lentamente fui até o banco e me sentei, Fernanda sentou-se ao meu lado, e Azrael ao lado dela. Um olhou para o outro e vi quando Azrael deu sinal para que Fernanda começasse a falar. Muito lentamente ela me narrou sua primeira experiência com o anjo da morte, e como ele levou sua família e passou a fazer parte da vida dela. Contou-me de cada momento em que passaram juntos, e de quando sua vida foi tirada por um ceifador, em vários momentos pude ver a angustia nos olhos dela como quando que contou sobre sua passagem pelo Vale dos Perdidos, um lugar que eu nunca soube que um dia existiu. Fiquei fascinado com sua história, quando soube que ela era um anjo que se encarnou humana para salvar a alma de milhares de pessoas que haviam se perdido e que sofriam naquele lugar sombrio. Ela terminou de falar, e Azrael começou a falar sua parte da história, entendi por que vi morte em seu olhar, percebi que ele compartilhou da mesma solidão a qual sou fadado a sentir e que tudo isso mudou quando conheceu Fernanda a única humana que podia vê-lo, me falou também como foi perder suas asas, e como Fernanda trocou o céu pela vida dele. Ele olhou para ela tão apaixonado. Achei lindo o amor deles, ainda assim eu não conseguia entender o que tudo aquilo tinha a ver comigo. E ela me contou que se tornou um anjo caído e ele humano, e que depois de tantos desencontro conseguiram consumar aquele amor. Eles estavam condenados a viver separados, no entanto o fruto no ventre de Fernanda, fez com que ela tivesse nova chance, se tornando humana e dando a Luz a um casal de gêmeos. Fernanda me contou que chamou a menina de Alice e o garotinho de Pedro, senti meus olhos se arregalarem com aquela revelação. Não podia ser possível aquilo. Ela continuou me contando, sobre como seu bebe era poderoso e como seu poder se manifestou precocemente em seu batismo, tirando a vida do padre que celebrava. Só percebi que estava chorando quando senti as lágrimas arderem os meus olhos, conforme eu ia entendendo o que significava tudo aquilo. Quando entendi a maneira como Haniel me tirou da mãos de minha mãe, sem que ela tivesse como lutar por mim. Confesso que senti um misto de angustia e revolta, eu tinha um pai e uma mãe que me amava e eu tendo que viver aquela vida solitária, por que isso?

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