A sexta-feira estava gelada, e ficou mais ainda com o avançar da madrugada. Tão gelada que nos lembrou as noites longas do inverno do último ano. Sofridas e algumas muito dolorosas.
O vento passava sutilmente por Campos do Jordão, porém arranhando a pele dos corajosos, e claro, animados para aproveitar o começo do final de semana.
Deixa-me contar um segredo que aprendi desde menino, talvez não seja tanto secreto assim, mas, gastar dinheiro em Campos do Jordão é como um hobby, não se olha preço, nunca, se olha status, e por fim, qualidade.
É assim que era, é assim que será.
Bebidas quentes estavam no seu auge, lugares que ofereciam esses tipos de bebidas além de um ambiente mais caloroso sem perder o bom toque juvenil tinham seus espaços disputados.
Coroa Azul estava no topo da lista de todo apaixonado por diversão à noite, considerado o bar mais caro da cidade, e um dos pioneiros a oferecer diversidade, o bar proporcionava o que mais se procura quando se vive em uma cidade como Campos do Jordão, o prazer do status.
Estar no Coroa Azul por uma noite valia muito mais do que estar em outro lugar qualquer por um mês. As pessoas, a bebida, as músicas, o ambiente, tudo te trazia a sensação de ser especial, ser superior, único.
Não, eu não estou exagerando. Pode achar que sim, mas acredite, não estou.
Foi desta forma que o bar ganhou espaço na cidade e se tornou ícone de um local agradável.
"O bar que te transforma." estava escrito na entrada.
Nem preciso te dizer que, sendo um bar com os maiores preços, não era freqüentado por quem quisesse, mas claro, por quem pudesse.
Eu nunca estive no bar, confesso, nunca tive a tal disposição financeira, e para ser sincero, com o tempo, perdi a vontade de querer estar.
No início me senti tentado em pagar pelo valor, sim, mas depois, refletindo como meu pai, cheguei a conclusão que os valores não eram justos pelo fútil sentimento que nos oferecia.
Especial? Único? Superior? Por que desejaria isso?
O bar que te transforma.Só é transformado aquilo que não é bom, aquilo que não funciona, não presta, que é descartável. – foi o que meu pai me disse uma vez.
Uma noite em um local não podia me transformar, criei essa certeza em mim.
Dois por cento da população pensava assim, os outros noventa e oito certamente me considerariam um louco se me ouvisse dizer isso.
Marcos Villani era um deles.
Freqüentador assíduo do bar, Marcos fazia do local sua segunda casa, e dos freqüentadores seus amigos.
Na sexta-feira considerava a mais gelada de dezembro, apesar de estarmos no verão, Marcos saiu de casa com objetivo de se divertir.
Não havia melhor lugar para ele do que Coroa Azul para esbanjar seu dinheiro, se transformando e sentindo-se superior, mais do que já se sentia.
Bebeu o máximo que pode, não se limitou por causa do dinheiro, não por isso, e sim por causa do corpo. Seu estômago não agüentaria nem uma gota a mais. Mesmo que fosse de água.
Segundo testemunhas Marcos deixou o bar acompanhado de Tânia, carregado por ela, melhor dizendo, e os dois foram atropelados em uma rua escura quando Marcos implorara para que ela desse espaço a ele para jogar fora tudo o que estava dentro do seu estômago, o enjoando.
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Diário do meu melhor amigo.
Mystery / Thriller- Três fatos, duas versões, dois amigos, uma verdade. O benefício de eliminar lembranças que nos machucam, traumas que nos destroem, e medos que nos aterrorizam. Por outro lado, os malefícios de não ter nenhuma lembrança, nenhum momento bom, e nem n...