Testemunho de quatro patas

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EJES chegou até mim, parecia nervoso e tão incomodado quanto um ser da floresta perturbado por uma chama correndo pela mata. Seus olhos vidrados atenuavam sua palidez.

- Que bom que você regressou, Zagkri. As preces aos deuses deram certo. Você está perdendo todas as aulas, meu amigo, e se continuar assim não irá receber a formação da Sede no final do ano. - dizia Ejes, se atropelando nas palavras em meio a um suspiro e outro.

- É exatamente o que Almos quer. Que eu não aprenda absolutamente nada aqui na Sede. Ele teme que eu descubra mais coisas do que devo. Agora que sou uma das estrelas...

- Estrela? - ele tensionou um olhar e engoliu em seco. - Que conversa é essa agora?

- Pandorius acha que meus pais faziam parte de uma certa profecia que determinava as três estrelas herdeiras do poder dos deuses antigos das signaturas. Meus pais podem ser duas delas e eu a terceira. Um ciclo de poder completado na mesma linhagem é mais forte. É um poder soberano. E Pandorius o quer. Me quer. - expliquei, sendo o mais sucinto possível.

- Então a história dos cavaleiros que Banaluh contara... - ele deteve-se, tomando confiança que eu completaria com alguma explicação.

- Pandorius quer tomar todo o poder novamente. Ele havia reconquistado a Sede, mas agora que Órius usurpou seu lugar de direito ele tentará retornar com fome e sede. É por isso que matou os meus pais. Achou que eles tinham os poderes ainda com eles...

- E não os tiveram? - perguntou Ejes.

- Não. Pelo que parece todo o poder foi concebido a mim quando nasci...

Parei por um minuto. Refleti. Eu não era o único.

- Ejes... claro...

- É isso Zagkri...

Ele concordava comigo. Duqh havia me contado a história do poder dos meus pais. Eu não era o único filho que tiveram. Kerb também o recebera.

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Decidi não contar nada a Kerb, por ora. Eu sabia que Vó Bertra também tinha convicção de que minha irmã também havia recebido parte dos poderes. Se esse fosse o caso a terceira estrela na verdade eram dois: Kerb e eu. Ou poderíamos estar errados e a terceira estrela ser apenas um de nós. Mas como poderia? Éramos gêmeos. Nascidos no mesmo minuto e gerados no mesmo tempo. Pensar nisso depois levaria umas boas horas de tempo.
Outra assembleia foi marcada às onze horas no salão de júri. O mesmo que me condenara por minha fuga da Sede e que havia me mandado para a casa de Duqh novamente. Em parte e em maior caso a mão que manipulou o caso tinha grandes dedos. Cada dedo amarrado a uma marionete. Controlava-os. Convencia-os. Almos Renes era a grande mão. As unhas eram Doran. Doran, o geminiano que entregara Igzo, mas que sentiu necessidade de esconder-se nas vestes de Almos quando todos comprovaram que não havia centauro algum na floresta. Sucesso este projetado por Ejes e Alera, que tomaram a dianteira e avisaram a Krame sobre o plano do professor e seu seguidor desertor. Saber que um professor de Taurinia estava dando aulas particulares e secretas de manipulação e trairagem para um aluno geminiano era um tanto quanto inaceitável. A Sede tinha por estatuto a atenção total de um professor aos membros de sua signatura.
Mas ali estavam todos novamente, inclusive eu e Duqh. A ideia de esclarecer qualquer pendência minha seria de certo modo justa agora com meu tutor presente. Vó Bertra tinha ficado com Kerb na antessala de vidros.
Pouco antes de entrar na sala de júri, soube que Alera estava deveras desapontada quanto ao fracasso na busca pelo irmão. Ejes contara-me que Alera visitara novamente, às escondidas, Banaluh. O ser de luz o contou histórias de peixes saltadores que remavam pelos pescadores; de mulheres lindas que repousavam na pele de leões mortos depois de matá-los; de esferas com borboletas brancas em seus interiores; mas nunca diretamente ligado ao irmão. Mas ela tinha a mesma certeza que eu quanto a isso: Pandorius tinha algo com isso.

Capricorniano, a lenda da sombraOnde histórias criam vida. Descubra agora