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Desci silenciosamente as escadas até ao andar de baixo e fui até ao jardim. Estava uma noite fria e o céu estava estrelado. Assim que o lobo sentiu uma presença no jardim pôs-se em posição de defesa e rosnou.

- Carl, sou eu, a Rose! - respondi, a medo.

O lobo parou de rosnar e deitou-se de novo. Os seus olhos fitavam cada passo meu. Sentei-me perto dele e o calor do seu corpo fez com que me sentisse muito confortável. Encostei-me a ele e fitei o céu.

- Lamento o que aconteceu. Foi tudo culpa minha, não foi? - a frustração bloqueava as minhas palavras, não sabia o que dizer. O lobo castanho fitou-me os olhos e abanou a cabeça - O que queria ele dizer com eu ser a herdeira? Porque brilhou o meu medalhão quando estive perto daquele ceptro?

O lobo levantou-se e olhou também o céu. Depois, veio para trás de mim e empurrou-me ligeiramente para a frente.

- Queres que te siga? - perguntei, admirada.

O lobo acenou afirmativamente com a cabeça. Começamos a caminhar pelo jardim e, ao chegar perto da estrada, Carl parou. Olhou para mim e depois para a estrada e, de seguida, baixou-se. Parecia estar a tentar dizer-me uma coisa.

- Queres que fiquemos aqui? - perguntei, mas ele abanou a cabeça negativamente.

- Queres descansar? - outro aceno negativo.

- Então, o que foi? - Carl levantou-se e agarrou-me pelo casaco que trazia vestido por cima do pijama colocando-me sobre o seu dorso.

Perscrutou várias vezes a estrada e começou a andar, lentamente, para trás. Senti que iria acelerar o passo e agarrei-me ao seu pescoço o mais que pude. Atravessamos a rua a um ritmo alucinante e Carl continuou correndo até estarmos a uns bons quilómetros do sítio de onde partíramos a apenas alguns minutos atrás. Parou, olhou para trás e, num segundo, recomeçou a sua corrida louca. Penetramos numa floresta densa onde as árvores passavam por nós sem que quase as distinguisse.

Chegamos à entrada de uma gruta subterrânea, mais escura que a própria noite.

- Temos mesmo de entrar ali? - o medo percorreu-me as veias.

Carl anuiu e, deixando-me no chão, empurrou-me para dentro da gruta. Estranhamente, o meu medalhão iluminou-se e desobscureceu-nos o caminho. Carl parecia sorrir ao ver a minha cara assustada. Depois de caminharmos alguns metros, ele parou e foi pôr-se em frente a uma porta de pedra enorme que se erguia à nossa frente.

Fitei os símbolos que a porta tinha, já gastos pelo tempo, e apenas consegui distinguir as palavras "herdeiro" e "segredo", que repeti em voz alta. Aproximei-me da porta e o meu medalhão brilhou com uma luz mais forte.

Carl empurrou-me para o lado direito da porta e, com o focinho, levantou a minha mão que posou sobre a pedra fria da porta onde havia o símbolo de outra mão.

Mal toquei na porta, todos os seus símbolos se iluminaram e a porta abriu-se, pesarosamente, revelando uma passagem para um templo gigantesco.

As paredes, velhas, estavam recobertas de inúmeras imagens e, no centro, estava uma estátua de mármore. Era uma jovem Guardiã que trazia ao pescoço um medalhão idêntico ao meu.

- Aquele medalhão é igual ao meu! Como pode ser? - olhei para Carl e lembrei-me de que ele não podia falar, sendo um lobo.

Continuei a andar pelo templo e os meus pés descalços arrepiavam-se tocando na pedra fria do chão. Admirei cada imagem e cada retrato das paredes. De repente, o meu corpo imobilizou-se. Numa das paredes da gruta estava a imagem de uma guerra. Dois grupos de elevado número de pessoas iam defrontar-se mas, no meio de toda a confusão, estavam dois jovens tentando pará-los. O sonho que a minha mãe tivera! Estava ali retratado! Tentei distinguir as suas caras mas não consegui. Seria o que me ia acontecer? Porque me levara ali Carl?

De repente, sobressaltei-me quando ouvi o barulho de um objeto a cair. Carl procurava algo.

- Queres que procure alguma coisa? - um aceno afirmativo com a cabeça.

Ele foi farejar um dos canto do templo mas não vi nenhum objeto... Carl pegou no meu medalhão com a boca e encostou-o à parede. Tirei-lho e imitei-o. Outro clarão iluminou a sala e uma espécie de armário abriu-se na minha frente. Dentro dele, estava um livro de capa dourada, cheio de pó.

Peguei no livro e abri-o, com cuidado. Dentro do mesmo, muitas histórias e lendas estavam escritas, conhecia já algumas, pois tinha-as ouvido quando era pequena. Contudo, ao encontrar um capítulo intitulado "O Herdeiro do Medalhão Sagrado" parei. Ia começar a ler o que dizia o livro quando uma voz me sobressaltou.

- Temos de ir embora! - o lobo estava a falar - A poção está a fazer efeito e estou a transformar-me de novo em humano, já consigo falar e, se não regressarmos rapidamente a casa, posso ficar na minha forma natural antes de lá chegarmos e demoraremos muito tempo a regressar...

Fechei o livro e pu-lo debaixo do braço. Subi para o dorso de Carl e ele começou a correr mais rapidamente do que na viagem anterior. Atrevendo-me a olhar para trás, vi as portas do templo fecharem-se e o brilho do meu medalhão desapareceu.

- Vai dormir, é melhor descansares... - disse Carl quando chegamos a casa. O seu pêlo já começara a ficar com uma cor igual à da pele humana e estava a diminuir constantemente - Rose, toma bem conta deste livro, é o Livro dos Anciãos. O mais sagrado de todas as tribos dos Guardiões do mundo inteiro.

Despedimo-nos e fui deitar-me. Contudo, ainda não tinha sono. Pensava nas imagens que tinha visto no templo e peguei no livro dourado abrindo-o na página onde tinha ficado.

"Aquele que possuir o Medalhão Sagrado é dotado de vários poderes para além dos poderes naturais das tribos dos Guardiões: tem o poder de criar bolhas protetoras que lhe permite fixar-se a uma pessoa transportando-a e protegendo-a de todos os perigos. Os seus sentimentos e estado de espírito podem influenciar o tempo e pode transformar-se num animal se assim o desejar.

O medalhão também pode ser usado por humanos. O herdeiro do medalhão deve ter muito cuidado para que não caia nas mãos erradas, caso contrário o destino do mundo ficaria comprometido."

Parei um pouco e lembrei-me de que o vulto de manto negro perguntara à minha mãe sobre o segredo do Medalhão Sagrado. Agora percebia que era o meu medalhão e que, de certeza, o queriam possuir a todo o custo. Tinha de o proteger com a minha vida.

Fechei o livro e deitei-me. O sono viera e estava muito cansada para pensar em mais problemas.

Quando acordei, abri a janela. Os meus olhos vasculharam cada canto do jardim, mas não encontraram o grande lobo que lá ficou a noite passada. A manhã trazia uma leve brisa e os primeiros raios de Sol faziam brilhar as gotas do orvalho nas plantas do jardim.

Desci até à cozinha e encontrei a minha mãe abraçada a Carl que regressara à sua forma humana.

- Carl! - corri e lancei-me ao seu pescoço - Que bom ver que já estás melhor!

- Não sabia que agora eram tão íntimos... - a minha mãe olhava-nos, com ar estupefato.

- Não tem nada de mais, apenas agora fazemos mais atividades e convivemos juntos... - disse eu num tom brincalhão e Carl piscou-me o olho.



A Guardiã do Medalhão SagradoOnde histórias criam vida. Descubra agora