V

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Rose estava deitada, dormindo. Ao lado dela, Johan descansava com a cabeça recostada no assento, Meyson, um pouco mais afastado, ouvia música em grandes headphones e seus pés repousavam em cima do banco de ferro nada confortável. Eles estavam exaustos.
Ninguém havia falado palavra alguma desde a briga. O caminho até sair da Inglaterra seria longo e talvez eles fariam dois ou mais dias, Johan imaginou como seria toda a viagem ao lado de seu irmão insuportável.

Meyson levantou-se de seu assento e sentou-se mais perto de Johan. Agora ele estava à quase um metro de distância dele. Meyson queria se desculpar. Ele realmente estava arrependido e havia pensado bastante sobre o que Johan dissera. Infelizmente era verdade, não havia como ignorar aquilo. Ele errou, deixou sua mãe doente sozinha em casa quando ela mais precisava, e sabia que os manifestantes passariam por ali, mas decidiu ignorar. Fazia isso como uma defesa. Ignorar sua mãe e irmão era sua fortaleza. Ele elevou seus pensamentos ao pai. Lembrou-se de como todos eram felizes, lembrou-se de como ele e Johan eram amigos, talvez melhores amigos, mas, agora isso não existia mais, seu pai, sua mãe, sua casa. Johan era o único familiar em que podia se agarrar.

Por que me tornei um rebelde ? Por que era anarquista ?
Meyson sentiu seu estomago revirar ao perguntar-se a si mesmo.

Desde que seu pai fora embora de casa, ele jamais pedira desculpas à Johan e a sua mãe. Engoliu em seco.

– Desculpe me – disse Meyson quase num sussurro. Seus olhos miravam o chão e sua voz tinha um peso.

Johan inclinou sua cabeça do banco e olhou para ele, ainda desacreditado.

– Desculpe me por tudo, eu não queria... – disse Meyson com a voz embargada.

– Tudo bem – disse Johan baixinho – Não foi só sua culpa, é minha também.

– Não Johan, é minha culpa sim, eu deveria ter ficado...

– Chega. A culpa é dos dois. Erramos, mas agora vamos tentar consertar, vamos sair do país e tentar encontrar o resto da nossa família em Middelkerke na Bélgica.

– Tudo bem, mas vai demorar até chegarmos, e daqui a pouco já é dia.

Johan olhou para o relógio, eram 03h40. Ele resmunga algo baixo. Menos de uma hora para amanhecer, mas não seria problema, pois estavam no metrô, seguros dos raios UV.
O estômago de Johan roncou, ele estava faminto. Meyson percebeu que ele levou sua mão até a barriga e pegou sua mochila anarquista preta, tateou o fundo da mochila e de lá ele tirou uma latinha de morbiten.

– Toma –disse Meyson estendendo a latinha.

Johan olhou para a latinha e rapidamente lhe veio a imagem de Denis jogado no chão ao lado de outros corpos decapitados e desmembrados. Ele balançou sua cabeça por uns instantes tentando afastar as imagens desprezíveis.

– Obrigado – disse Johan pegando a latinha.

Ele abriu e rapidamente sentiu o cheiro de sangue sair dali. Seu estômago reclamou mais fortemente. Ele levou seus lábios à pequena abertura metálica da latinha e bebeu tudo em um gole rápido. Sentiu a bebida descer quente por sua garganta. Era como chá, estava sempre boa, não importava se estava quente ou fria. Após o gole, sentiu uma pequena parte de sua sede sendo saciada, ainda não era o suficiente. Também lhe veio um sentimento de culpa que caiu sobre seu corpo.
Ele só havia bebido sangue humano nos primeiros dias de infectado, mas ainda era criança e não se importava. Ele amaçou a latinha com as duas mãos até ficar bem pequena, desprezando-se pelo pecado vulgar. Mirou a latinha em suas mãos e pensou consigo mesmo:

Desde quando eu havia me tornado tão forte ? Desde quando todos haviam se tornado fortes ?

Aos altos conhecimentos da sociedade, esse era o principal ponto positivo nos efeitos colaterais do vírus, ele havia de concordar.
Johan olhou para Meyson que terminava de beber.

– Tem mais ? – disse Johan, surpreendendo-se por ter dito aquilo sem pudor.

– Não. Na verdade só mais uma, para sua amiga ai – disse Meyson sorrindo.

– Claro, me desculpe.

– O que ela faz com você ?

– Ah, ela também perdeu os pais, e não tem família na Inglaterra.

– Você gosta dela ?

– Da Rose ? Não! – disse Johan corando – Ela é só uma amiga.

– Mas ela gosta de você – o tom dele havia se tornado desafiador e sorria maleficamente.

– O que ? Como sabe ? –
Johan quase saltou ao ouvir aquelas palavras que abalaram seu psicológico, mas logo lembrou-se de que Meyson não a conhecia para falar de tamanha intimidade – Idiota.

Os dois riram.

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