Era uma manhã quente. Uma chuva fina caía sobre aquele velho condomínio popular no subúrbio da cidade. Naquele apartamento do segundo andar, num quarto desarrumado, com janelas repletas de adesivos e paredes cobertas de cartazes de filmes que não só serviam de decoração, mas também para cobrir as paredes descascadas e manchadas pela falta de manutenção, uma história se desenrolava.
Aquelas paredes eram as únicas confidentes de um jovem frustado pelas decepções da vida, mas que não se rendera ao desanimo e não desistiria de lutar por seus sonhos e por um futuro melhor. Seu nome era Johnny.
Seu velho celular nem havia despertado, mas o rapaz já estava acordadona cama, olhando para o teto. Estava ansioso. Naquele ano, em que nada de bom havia acontecido, finalmente, naquele 21 de dezembro, ele tinha a oportunidade de dar a volta por cima. Johnny tinha uma entrevista de emprego numa produtora de filmes que poderia, finalmente, abri-lhe as portas para que se tornasse o ator que sempre sonhou ser. Por isso, 30 minutos antes do relógio despertar, ele já estava fora da cama, indo em direção ao banheiro.Ele foi para o chuveiro e, enquanto a água caía sobre a cabeça, vários pensamentos inundavam sua mente, levando-o a recordar-se do passado. Johnny se lembrou de quando era uma criança feliz junto aos pais e irmãos na sua antiga casa, num bairro distante dali.
Os domingos pela manhã eram uma parte importante das boas lembranças da sua infância. As brincadeiras com os irmãos, o teatro e as atividades na escolinha dominical de uma pequena igreja cristã do seu bairro jamais lhe saíram da memória.
Johnny vivia numa perfeita família de classe média alta, com passeios garantidos em todos os períodos de férias e com uma turma de amigos muito divertida. Era sempre sorridente e falante, um dos destaques da sua turma, sempre o primeiro a tomar as iniciativas. Mas, debaixo daquele chuveiro, os fantasmas do passado começaram a assombrá-lo.
Por volta das 14 anosde idade, seu mundo perfeito desabou quando seus pais se divorciaram. Ainda lhe tormentavam a mente as memórias daquele terrível dia em que ele não foi ao curso de inglês e, no meio da tarde, surpreendeu o pai com a secretária na cama. Enquanto isso, a mãe de Johnny estava ajudando em um trabalho social da igreja em uma cidade do interior do estado, e seu pai deveria estar no escritório trabalhando.
O Sr.Narázio, pai de Johnny, era um executivo respeitado, muito bem-sucedido e de grande influência naquela comunidade. Conhecido como alguém rigoroso nos seus princípios morais e muito generoso, era o típico cidadão acima de qualquer suapeita. No entanto, Johnny ficou muito tempo remoendo aquelas imagens que tanto lhe doíam. Seu relacionamento com o pai, que até então era seu herói, deteriorou-se. Não demorou muito para a máscara cair, e, como consequência, os pais se divorciaram.Junto com o divórcio veio a mudança de bairro, por causa das dificuldades financeiras, o que gerou em Johnny uma crescente revolta, e o levou a abandonar os antigos amigos por vergonha do escândalo, que se tornou público. Logo vieramas más companhias, o cigarro, a bebida alcoólica e a dúvida sobre tudo, principalmente sobre sua fé.
Seu pai se distanciou de todos, mais o desprezo foi maior com Johnny. Numa tentativa de acobertar o escândalo, o Sr.Narázio demitiu sua secretária, mas continuou seu relacionamento com ela em secreto, até assumir publicamente seu romance sórdido.
Com a saída do pai de casa, a situação financeira ficou muito difícil. Sua mãe, uma dona de casa dedicada, já não tinha como lhes dar o mínimo que tiveram na infância, e Johnny e seus irmãos começaram a desentender-se.
O homem que um dia fora o herói de Johnny agora era o alvo do seu ódio. Com os seus irmãos não era diferente; Johnny mal trocava palavras com a irmã e, quando via o irmão mais velho, só queria brigar, pois este estava tentando assumir o papel de pai dele.
Debaixo daquele chuveiro, enquanto revivia sua história e algumas lágrimas começavam a misturar-se com a água, Johnny foi tomado de um misto de angústia e esperança, pois todas as suas fichas estavam apostadas neste 21 de dezembro.
Sua vida não havia melhorado desde os 14 anos de idade, mas agora, aos 21, esta era sua chance de ouro de seguir sua carreira e, finalmente, conseguir dinheiro para voltar à faculdade. Dois anos antes, Johnny havia engressado no curso de Artes Cênicas _descobrira a habilidade para teatro ainda na infância_,
mas teve de trancar a faculdade por falta de dinheiroAgora, ele trabalhava numa simples locadora de filmes no bairro pobre aonde morava e, muitas vezes, enquanto alugava os filmes aos clientes, olhava para capa dos DVDs e imaginava-se como o ator principal de um grande filme de sucesso mundial.
Com tantos personagens na mente, Johnny saiu do chuveiro exclamando: "É hoje! Meu molhor dia do ano é hoje! Vou me dar de presente um grande emprego!"
Faltava apenas três dias para o seu aniversário, e esse era o melhor momento para conseguir algo que lhe mostrasse uma luz no final do túnel.
Com cerca de 1,80m de altura, cabelos encaracolados e bagunçados, rosto angular e expressivo, olhos castanhos, e corpo magro, mas atlético e de aparência saudável, Johnny era um jovem que dificilmente ganharia um concurso de beleza; considerava a si mesmo um cara comum!
Ele decidiu fazer a barba de poucos fios, querendo causar a melhor impressão possível. Enrolou a toalha na citura, pegou a espuma de barbear e posicionou-se diante do espelho embaçado. Mas logo olhou para seu relógio de pulso na pia, e viu que já estava atrasado; tinha de chegar a tempo para a entrevista no centro da cidade, e o metro lotado seria sua melhor opção. Por isso barbeou-se depressa, vestiu sua melhor roupa, e partiu para a entrevista.
Johnny se despediu da mãe, que não teve tempo de oferecer-lhe o café que preparara, desceu correndo as escadas de seu prédio, e foi para estação. Mas chovia, e a chuva ficou um pouco mais forte, o que acabou dificultando-lhe a caminhada de cinco quarteirões até o metro.
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Johnny Esta Noite Pedirão a Sua Alma(em Revisão)
SpiritualitéO que aconteceria se soubesse o dia de sua morte? O que faria antes de morrer? Você se arrependeria de coisas que fez? De coisas que não fez? Pediria perdão? Perdoaria? Buscaria a Deus? Permaneceria incrédulo? Acreditaria no céu e no inferno? Essas...