4. There's a wild, wild whisper blowing in the wind

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Eu estava parada há pelo menos uns dois minutos na frente de uma prateleira cheia de caixas. A indecisão só me acompanhava quando se tratava de assuntos banais. Então ela estava ao meu lado, me fazendo pegar uma caixa, pensar novamente e voltá-la ao seu lugar de origem. E isto aconteceu com pelo menos mais umas cinco caixas.

- Precisa de ajuda?

Olhei o senhor ao meu lado, com um sorriso no rosto. Típico de cidade pequena. Essa simpatia, esse nível de preocupação com o outro e com o que o outro está pensando ou sentindo, mesmo que esse outro seja um completo estranho. Meu problema era: eu havia nascido em uma cidade pequena também, mas eu falhava nessas qualidades. Eu me esforçava para ser simpática, acolhedora, sorridente, mas quem disse que conseguia? Minha mãe sempre disse que eu era "um bicho do mato". Crescendo em uma casa afastada, cercada de natureza e animais e convivendo com o animal do meu pai por dezessete anos, eu bem que era "um bicho do mato" mesmo. Porém o farmacêutico, e não um vendedor comum pois seu jaleco branco o denunciava, continuava esperando uma resposta à sua pergunta prestativa.

- Não, imagina. Só estava em dúvida, mas já decidi.

Peguei uma caixa que me chamou mais a atenção. Era difícil escolher com tantas opções. Por que simplesmente não fazem quatro tipos? Tintura preta, vermelha, loira e morena! Pronto! Problema de indecisão resolvido.

- Se me permite dizer, acho que vai combinar com você - o senhor foi simpático mais uma vez

Ele sorriu e se dirigiu ao caixa. Eu o acompanhei, vendo-o passar o produto pelo código de barras.

Paguei e saí da farmácia, analisando a cidade em volta. Havia uma praça, como já era de se imaginar. Praças centrais são obrigatórias em cidades pequenas. Nessa mesma praça, se concentrava a prefeitura de Prestonburg, uma lanchonete, a delegacia e um posto de combustível. E, nesse último, eu vi uma oportunidade. Andei até a lateral do posto, onde eu já havia notado existir uma porta com sinalização de banheiro. Com precaução para que ninguém me notasse, adentrei à porta, fechando-a em seguida. Acendi a luz e encarei o pequeno espelho sobre a pia. Peguei a tintura que eu havia comprado e li de novo minha escolha. "Vermelho alaranjado". Nunca imaginei ser ruiva um dia, mas era uma boa precaução. Estariam procurando por uma menina como a foto, com os cabelos arrumados para a pose forçada, a roupa passada corretamente, a pele com um pouco de pó-de-arroz. Exigência de minha mãe, obviamente. Não estariam procurando de cara por uma menina toda desmazelada, com cabelos volumosos, despenteados e com as pontas queimadas devido ao sol excessivo. E, agora, prestes a ficarem "vermelhos alaranjados", ou seja lá que cor isso resulte em.

Abri a caixa, tentando ler as instruções. Minha leitura era um pouco debilitada, confesso. Ter largado a escola na quarta série me impediu de evoluir um pouco mais nesse quesito, mas eu ainda conseguia ler e entender o que eu estava lendo e era isso que contava, não é? Eu não precisava saber ler Shakespeare, Hemingway ou, quem sabe, Marx e Foucault. Eles não me eram úteis antes, continuam não sendo agora. Segui as instruções conforme ia tentando desvendá-las. Coloquei as luvas plásticas e dei inicio àquela tortura de passar a tinta pela raiz e por mechas. O vermelho era forte, pelo menos parecia ser naquela luz amarela. Quando acabei, li que precisava esperar uns vinte minutos. Sentei-me sobre a tampa do vaso sanitário, pensando em nada e em tudo ao mesmo tempo.

A maçaneta do cubículo que era chamado de banheiro se mexeu. Alguém tentara abrir a porta. Eu esperei mais algum movimento. A maçaneta se mexeu de novo e a porta foi empurrada em vão.

- Está ocupado! - eu falei, alto, com a voz talvez um pouco grossa demais

Quem quer que fosse, desistiu de usar o banheiro e foi embora. Suspirei. Eu não aguentava mais ficar ali presa, esperando o tempo passar. Levantei-me e olhei meu reflexo no pequeno espelho. Quer saber? Cansei. Já devem ter se passado minutos suficientes. Enfiei minha cabeça com dificuldade na pia, abrindo a torneira e ajudando a lavá-lo com as mãos. Não vou dizer que foi uma tarefa fácil, pois não foi. Eu tentava desembaraçar meus fios com os dedos enquanto a pouca água da torneira o molhava parcialmente. Foi um bom tempo ali, curvada, de mal jeito, até que eu resolvesse que já estava razoavelmente enxaguado. Minha coluna agradeceu quando eu voltei a ficar em uma posição reta. Olhei no espelho, meus cabelos pingavam. Eu não sabia se tinha surtido efeito, talvez porque os fios estavam encharcados, talvez porque a iluminação era péssima. Recorri à mochila que trouxera comigo do carro e agarrei minha blusa do dia anterior, suja. Sequei meu cabelo com ela, apesar de não ter sido muito eficaz. Minha testa e pescoço estavam manchados de tintura vermelha, mas era o de menos. Foi quando lembrei que deveria haver um canivete dentro daquela mochila. Eu lembrava vagamente que havia o posto ali durante a correria da noite em que minha mãe e Kev fugiram. Procurei até que o achei.

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