Os fogos haviam parado, talvez o estoque reservado ao dia havia se esgotado. Era quase meia noite, eu estava distraída, sentada na carroceria da minha Chevy junto da minha garrafa de uísque - que eu havia renegado nos últimos dias - e mal percebi a pessoa ao meu lado. O único motivo que me fez virar e olhá-lo foi o cheiro do cachorro quente em sua mão.
- Achei que você estaria com fome - ele disse
Eu peguei o cachorro quente de suas mãos sem falar uma palavra. Ele não se importou.
- Posso? - perguntou, se referindo à dúvida de se podia ou não sentar ao meu lado na Chevy
Eu dei ombros. "Tanto faz".
Ele se sentou e também olhou pro céu. Eu me encarreguei de comer o cachorro quente em silêncio, fazendo barulho apenas para lamber meus dedos sujos de mostarda depois. Bebi um pouco do uísque, oferecendo um pouco a ele, que aceitou e tomou um gole.
- Você algum dia vai me contar porque você está fugindo? Melhor, por que tem gente atrás de você? - ele disse, me devolvendo a garrafa
- Não - respondi, curta e grossa
Talvez ele já soubesse e estava tentando disfarçar. Talvez se ele soubesse também iria querer me capturar para ter a recompensa. Em ambos os casos, era melhor eu continuar de boca fechada.
- E você está melhor? Do ataque no banheiro químico, eu digo.
- Nada aconteceu comigo.
- Eu gostaria de tê-lo matado, sabia?
- Compartilho do mesmo sentimento.
Ele riu. Não era para rir. Não era brincadeira, eu realmente queria tê-lo matado.
Queria cortar suas mãos por elas terem tentado se enfiar por meio das minhas pernas, queria cortar fora sua língua para que ele nunca ousasse falar daquele jeito com mais ninguém e queria, obviamente, deixá-lo estéril. Eu tinha pensamentos vingativos demasiadamente, pensamentos que ninguém gostaria de ouvir. Talvez foi jeito com o qual eu aprendi a crescer, a viver. Ninguém nunca me mostrou que era errado essa coisa de "olho por olho, dente por dente", e eu acredito que muitas vezes essa é a solução. Ninguém faz algo ruim se sabe que sua vítima poderia fazer o mesmo com ele. Pessoas ruins se aproveitam de quem não luta, de quem é indefeso, de quem acha que o mundo se resolve com diálogo. Não é bem assim.Enquanto eu tinha pensamentos raivosos misturados com alguma concepção sobre o mundo, ele continuava olhando as estrelas. Eu queria olhar para as estrelas também, como sempre fiz da janela do meu quarto quando tinha insônia, isto é, sempre. Agarrei a pequena corrente que não deixava meu pescoço e fiquei brincando com ela como de costume, mas, ao invés de olhar para as estrelas, eu não conseguia parar de olhar para o homem ao meu lado olhando as estrelas. Era tão interessante quanto... Talvez até mais interessante. As estrelas estavam lá todos os dias, seus olhos nem sempre estavam as refletindo.
- Gostou do seu quatro de Julho? - ele perguntou, se virando a mim
Eu nem ao menos disfarcei que estava o observando e ele estava fazendo um ótimo trabalho fingindo que nada havia acontecido no lago.
- Apesar de tudo, sim.
Eu admiti. Meus quatros de Julho sempre foram horríveis a partir de um certo ano e aquele estava sendo um dos menos piores, digamos assim.
- Eu tenho algo que pode fazer ele ficar melhor.
Eu o encarei, levantando minha sobrancelha.
- Outro cachorro quente?
Ele riu, se levantou, foi até sua caminhonete e voltou carregando um tipo de aparelho que eu nunca havia visto de perto.
- O que é isso? Por acaso você arrancou o toca-fitas do seu carro? - eu o encarei
- Você não sabe o que é? É um Walk Man. É um toca-fitas portátil, dá pra levar para qualquer lugar.
- Eu tenho um toca-fitas no meu carro, e eu posso levar meu carro para qualquer lugar, então isso é inútil.
Ele riu.
- Com isso aqui você não joga no lixo toda a bateria da sua Chevy. E serve como um gravador e tem rádio também. Não acredito que você nunca tenha visto isso, é uma febre atualmente, todo mundo tem um.
- Eu não sou todo mundo.
- Você não vai dar nem uma chance pra ele? - Zach disse, segurando um fone à minha frente
Eu hesitei.
- Ah, qual é, a fita que está dentro é uma seleção que eu mesmo fiz.
E então eu fiquei curiosa para saber qual tipo de música ele ouvia. Coloquei o fone no ouvido e ele me indicou o botão para fazer o aparelho tocar. A música começou um pouco lenta, depois ficou mais rápida, mas era agradável de se ouvir. Confesso: era estranho, era um som que eu achei meio robótico, não sabia qual instrumentos eram aqueles, mas não eram tão irritantes quanto eu achava que algumas músicas atuais eram. Eu encostei a cabeça na janela de trás da cabine e fechei os olhos, prestando atenção nas letras. A primeira música eu achei confusa, mas intrigante, me fez pensar em vários cenários. Era uma música sobre poder, sobre o mundo, não sobre alguma história de amor boba. A segunda música começou e parecia ser cantada pela mesma voz.
- Quem canta essas músicas? - eu perguntei ainda de olhos fechados
- Uma banda inglesa chamada Tears For Fears.
- Inglesa?
- Sim, que eu saiba sim.
- Acho que nunca ouvi nada de lá.
Ele riu.
- The Beatles?
- Quem?
- Não acredito que você nunca tenha os ouvido. Enfim, tem algumas músicas antigas deles aí também, as antigas são as melhores.
Nisso eu tive que concordar. Voltei a prestar atenção na letra, que também era confusa. Falava de sonhos, de pessoas, e de novo sobre o mundo. Só que, ao ouvir a segunda frase depois do refrão, eu simplesmente tirei os fones com pressa.
- O que foi? - Zach me perguntou - Não gostou?
- É que... Não, deixa para lá. É melhor eu dormir. Chega de quatro de Julho para mim - eu me levantei, descendo da Chevy
- Já é dia cinco, se isso te fizer melhor.
- Boa noite - foi tudo o que eu disse antes de bater a porta com força e me trancar dentro da cabine, acabando com o resto da minha garrafa de Jack de uma vez só
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Freedom's Last Bullet
General FictionVERSÃO REVISADA 2016. Não é como se eu quisesse ser assim, mas a verdade é que, se eu não fosse assim, eu provavelmente não estaria contando essa história, talvez eu estivesse nesse momento cozinhando para um homem bruto, cheirando a cigarro e borde...