CAPÍTULO 4 - Para além da janela.

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Hannah achava que Samuel era um cara legal. Em tese. Ela não sabia qual tinha sido o problema em que ele havia se metido para estar ali, mas sabia que coisa boa não era, mas que não tinha sido grave o suficiente para estar na cadeia, e em vez disso estava cumprindo serviço voluntário em um hospital com uma menina doente.

De todo modo, ele parecia ser um cara legal lá no fundo. Bem lá no fundo.

Desde o primeiro dia em que havia sido bem curioso, lhe perguntado coisas e parecendo bem interessado em sua vida, as coisas haviam mudado drasticamente. Hannah ficava olhando-o por cima do livro e Samuel observando a janela durante as seis horas que ficava ali. Nada, além disso. Até que haviam conversado bastante, mas não era como se um tivesse tido a oportunidade da intimidade para que as coisas fossem fluir de forma agradável, pelo menos, não até agora.

Porém assim como a semana, Nárnia havia acabado. E as duas semanas que se seguiram também.

Quando Samuel entrou no quarto dela naquela sexta de manhã, Hannah não tinha nenhum livro em mãos. Ela estava recostada de um jeito confortável no travesseiro, de modo que sua coluna ainda ficasse reta e olhava para o teto. O cumprimentou com o seu típico "olá" e ele se sentou na poltrona a frente da cama.

Como de costume, ele olhou para o relógio umas mil vezes em apenas três minutos tirando de Hannah toda a vontade de continuar ali, olhando para cara dele. A menina deu um sorriso audível e se esforçou para deitar-se mais. Samuel a olhou quando deu um suspiro de dor, mas ela agiu como se nada estivesse acontecendo e se aprumou como pode. Suas costas estavam doendo de ficar naquela posição, sentada com a cabeça inclinada.

— Você está bem? Quer que eu chame a doutora Ashford? — Ele perguntou, com um olhar preocupado. Hannah fez que não com a cabeça.

— Só estou um pouco incomodada com essa cama. — Sua voz soou muito cansada e ela observou o sol brilhando sob o orvalho verde e brilhante do lado de fora da janela.

Samuel se remexeu inquieto na poltrona e se ergueu, apoiando as mãos nos pés da cama de Hannah, com os ombros encolhidos.

— Quer que eu te troque de lugar? Se quiser, eu te coloco na poltrona pra você ver as coisas de outro ângulo, o que acha?

— Acho que estou bem aqui, muito obrigada. — Disse baixo. — Não me leve a mal, não estou sendo mal agradecida, simplesmente que aqui está bom.

— Se você não expandir seus horizontes, o caminho da vida nunca vai mudar de paisagem. — Ele abriu um pouquinho o sorriso. — O que acha de escapar daqui um pouquinho e sentir um pouco de sol nessa sua pele de bichinho de goiaba?

— Eu não posso sair do quarto. — Respondeu baixo, como se estivesse cogitando fazer algo de errado.

— E quem disse isso? Você tem câncer, não pneumonia. E está quentinho e sem vento, meia hora lá em baixo sem que ninguém veja não vai fazer mal pra ninguém. — Ele ergueu as sobrancelhas várias vezes seguidas, o sorriso malandro sambando nos lábios rosados como uma criança propondo a outra para roubar doces ou brincar com alguma coisa dos pais. Talvez Samuel estivesse disposto a acabar com a pequena barreira do "não vamos falar mais do que o necessário" e estivesse tentando uma nova estratégia.

— Sem que ninguém veja?

— Sem que ninguém veja. — Afirmou. Hannah torceu os dedos das mãos, observando o movimento que eles faziam com os olhos brilhando. Samuel se segurou para não cair na gargalhada. — Eu tenho o plano perfeito.

Ela o olhou e se encolheu, mas o sorrisinho sapeca se alargou tímido e ela assentiu de modo quase imperceptível e Samuel esfregou as mãos antes de correr para fora do quarto. Hannah ficou ali, esperando, se perguntando se aquilo era realmente certo, e que não levaria bronca, mas o seu coraçãozinho pulsava de um jeito diferente e suas mãos soavam de ansiedade.

Pra você, eu (Desgutação | Em breve)Onde histórias criam vida. Descubra agora