Capítulo 3 - Deuses e homens

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O grupo de Vincent acaba de sair em sua missão. Sobek está com eles. Apesar de tudo, meus amigos estarão bem. Não estou preocupado.

Não. Ele não é mais Sobek, o deus, e sim Adam, o... Homem. A... Criatura. Abandonou nossa Ordem há muito tempo, virou suas costas para o Panteão Sagrado. Estou surpreso que ele tenha aceitado fazer parte dessa missão...

Erik conseguiu convencer todos nós a pular de cabeça em uma missão suicida. Uma missão que não será benéfica para nós, individualmente, mas será a salvação de todos e tudo o que conhecemos. Pela primeira vez em nossos milênios de vida, podemos ser altruístas. Temos a chance de ser algo além de homens brincando de deuses, podemos ser realmente divinos. Não é deus alguém que tem poder. É Deus aquele que salva, aquele que tem misericórdia, sabe perdoar. É Deus aquele que compreende que não está no centro de tudo, mas sim, no meio de um todo.

Está na hora de sermos Deuses. Já fui homem por muito tempo.

Recebi do Grão Mestre uma missão à parte. Depois de ouvir seu plano na praia, abracei minha missão sem olhar para trás ou pensar duas vezes. Não vou falhar. Não posso falhar. Não tenho tempo para fraquejar ou me sentir derrotado antes que tudo acabe.

Ando apressado, porém firme e concentrado, pelo corredor da ala Oeste do complexo do prédio-sede. Estou indo direto para a missão. Não preciso me preparar. Já nasci preparado. Meu objetivo é claro.

Paro em frente à porta do quarto 126-B. Todos os quartos são idênticos, o que muda é o número gravado em placas metálicas ao lado das maçanetas, na parede. De postura ereta, como sempre andei, bato três vezes com força na porta e aguardo. Percebo que estou impaciente, ansioso.

Procuro fechar os olhos e respirar lentamente. Estarei lidando com uma criança. Não lembro mais como é ter uma idade assim. Não sei o que se passava pela minha cabeça aos doze anos. Isso já faz muitos milênios.

Um minuto e trinta e seis segundos depois, a porta se abre preguiçosamente. Um menino sonolento me encara com seus olhos esverdeados e remelentos. Não consigo reprimir um suspiro de desaprovação seguido de sobrancelhas franzidas. Elas quase sempre estão franzidas, já que não costumo sorrir muito.

O menino parece assustado agora. Desde que chegou aqui com a irmã, há sete anos, ele se sente intimidado em minha presença. Ele não enxerga o homem por trás dos meus olhos felinos. Tudo o que vê é um leão faminto.

Não estou com fome.

Anastasia nunca sentiu medo de mim. Ela é diferente, mais madura. Enxerga a verdade em qualquer coisa. Esperamos alguns séculos para que ela renascesse e trouxesse um equilíbrio para esse mundo caótico.

Alguns de nós ficamos vivos até o fim, apenas uma vez. Outros precisam morrer e reencarnar em um ciclo, em corpos humanos, quando o mundo precisa. Espíritos, entidades.

A situação está tão crítica que os dois nasceram no mesmo lar, com poucos anos de diferença...

Isto nunca aconteceu antes.

- S-senhor Leonard... – O pirralho balbucia.

- Vista-se e encontre-me no salão 3-C em dez minutos. – Digo, rígido, já virando-me de costas e seguindo meu caminho. Não vou mimá-lo como Erik o fez. Não tenho tempo para ser carinhoso ou piedoso.

O moleque ficou para trás, encarando o corredor vazio por alguns segundos antes de perceber o que havia acontecido. Ouço a porta fechando num estalo atrás de mim, quando ele finalmente se dá conta da ordem. Não está mais em casa, no conforto e com o amor de seus pais.

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