Capítulo 6 - O Olho Que Tudo Vê

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A cama da enfermaria é confortável. Eu respiro lentamente, alguns tubos estão enfiados em meus seios nasais. Eles me incomodam um pouco, mas nada se compara à dor no resto de meu corpo, principalmente do meu lado direito, onde antes havia um braço. Olho para o relógio digital na mesinha de cabeceira à minha direita. São nove e vinte dois da noite.

Faz alguns meses que eu não vou ao meu quarto. Tenho passado as noites na enfermaria e os dias na sala de treino. Não tenho tempo para voltar pro conforto.

O treinamento de meu mestre exige muito. Já estou me acostumando a quase morrer, todos os dias. Perguntei a ele por que não podíamos simplesmente voltar no tempo e treinar até que eu despertasse, já que dez anos é pouco. Temos uma máquina do tempo, afinal...

"Essa tecnologia que te cura é recente.", ele disse, simplesmente.

Sim, é verdade. Se não fosse a tecnologia que avança a cada dia, graças aos esforços do senhor Heinsell, eu já não estaria mais vivo. Além disso, nós não podemos voltar a uma época e local onde estávamos antes. Acabaríamos nos duplicando. Isso talvez seja um problema para linha de espaço-tempo.

A não ser que nossos corpos do passado jamais encontrem os corpos do futuro. Mas é muito difícil monitorar isso e o senhor Heinsell está focado em melhorar a tecnologia da enfermaria, para que eu me cure com mais facilidade e precisão, e manter os sinais vitais do grupo de minha irmã, congelados em 5.235 d.U. Ficarão assim por dez anos, até que nós possamos nos juntar a eles. Claro, para eles tudo só vai durar alguns minutos.

Perdi meu braço hoje, tentando me defender de Maahes em sua forma original. Ele não pega leve comigo, trata-me como se eu fosse igual a ele, o que é muito frustrante, exaustivo e ao mesmo tempo... Inspirador.

Eu quero ser um motivo de orgulho, quero mostrar a ele e ao Grão Mestre que sou capaz. Mas, antes de mais nada, quero deixar minha irmã feliz. Quero que ela não precise mais se preocupar com o frágil irmão, não quero mais ser um peso, um obstáculo que apenas atrase meu grupo.

Eu quero ser mais for...

- Argh! – Um acesso de tosse me tira da pose confortável que estava antes e volto a sentir a dor de meu membro perdido, um membro fantasma.

Demoro a relaxar novamente. Os aparelhos começam a apitar e a enfermeira entra no quarto para ajeitar os tubos no lugar e aumentar a dose de morfina.

Olho para a mesa ao lado esquerdo da minha cama. Lá está meu braço. Eles o trouxeram junto comigo... Minha cirurgia começará em uma hora e meia. Antes eu preciso terminar de receber esse transplante de sangue. Perdi muito hoje.

Todas as noites eles reconstroem meu corpo. A tecnologia atual não deixa cicatrizes. Eu já perdi um pé, ambos os olhos, vários dentes, já fui perfurado em várias regiões do abdômen e, agora foi o braço. Sempre acordo intacto, com uma energia artificial e a determinação que só cresce em meu peito. Sempre pronto para mais um dia de treino e meu mestre continua pegando pesado.

Ele não tem pena de mim. É o único que me trata como se eu fosse forte. É o único que acredita em mim.

"Vou deixá-lo orgulhoso, mestre. Eu prometo.", penso, encarando o pequeno pedaço de carne ensanguentada que um dia foi meu braço, ainda preso ao resto de meu corpo.

Fecho os olhos e procuro descansar em uma posição confortável enquanto espero a cirurgia que me deixará inteiro novamente.

A dor mais insuportável que já senti até agora foi quando distendi os músculos das minhas duas coxas. Já quebrei quase todos os ossos, inclusive a coluna. Já tive fraturas expostas, quase morri por perda de sangue, infecção e dores extremas. As dores que senti por perfuração e até a perda desse braço e dos outros membros foram muito fortes, mas... Eu não sei explicar. A dor muscular foi muito mais intensa, contínua e profunda. Precisaram me sedar para continuar o tratamento.

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