Olho para a equipe que estou acompanhando. Todos estão em silêncio depois do comentário do Pirralho-do-Olho-Azul. Ao nosso redor, apenas uma selva ainda intocada pela civilização europeia.
Só dá para ouvir o som dos bichos e das plantas balançando com o vento. A Garota-do-Nome-Bizarro parece ter dado pane, tipo aqueles computadores antigos que travam a cada comando. Ela só encara o Olho-Azul de olhos esbugalhados, cabeça meio inclinada e boca meio aberta.
Estou quase indo lá procurar o botão de reset dela. Está me dando nervoso.
Cruzo meus braços e fungo meu nariz. "Hum, estranho...", penso, olhando para trás assim que sinto um aroma diferente. Franzo o cenho, agora mais sério. Me parece que não estamos sozinhos aqui, mas talvez não seja nada...
Fungo novamente o ar, prestando atenção em cada cheiro. Consigo identificar até mesmo o aroma metálico do sangue de cada integrante da equipe e perceber que Sekhmet, Maahes e Sobek são B positivo, o Japa-da-Disneylândia e a Loirinha-x-Men são A negativo, Hórus é A positivo, eu e Ísis somos AB negativo, o Pirralho-do-Olho-Azul é O negativo e a Nome-Escroto é... Hum. Inspiro o ar com força uma terceira vez.
Não sei o tipo sanguíneo dela. Não é terrestre. Definitivamente.
Estreito os olhos, encarando-a melhor. Cabelos prateados longos e lisos que chegam até sua coxa, orelhas pontudas de elfo, alguns buracos na cara, olhos amarelo-vibrantes, pele-oposto-da-minha... Ela não parece terrestre.
Bem...
Eu também não.
Sorrio sozinho com minha própria constatação e escondo minha boca com a mão relaxada. Meu cotovelo apoiado na outra mão.
Se nós ficarmos um do lado do outro, as pessoas podem até achar que o mundo ficou preto e branco. Pareceria um live-action do Charlie Chaplin.
Ah não, peraí, eu tinha sentido um cheiro esquisito. Olha o foco, rapaz... Olha o foco.
Descruzo os braços e volto a virar o torso um pouco para trás. Inspiro o ar profundamente, sem chamar muita atenção desse povo meio bugado e fecho os olhos para me concentrar melhor.
Eu sou péssimo em me concentrar.
Vamos lá, consigo identificar 1274 criaturas em um raio de dois quilômetros, eu estando no centro. A grande maioria é composta por insetos.
Meus ouvidos ficam em alerta. Consigo visualizar quase tudo agora, de olhos fechados, uma imagem mental em preto e branco que crio com a audição e o olfato.
Abro os olhos subitamente.
Eu estava certo. Não estamos sozinhos. E nosso companheiro não é pequenininho...
Encaro a selva atrás de mim. Ele está a uns 63 metros de distância de nós. Pode não ter nos percebido.
Viro-me para o grupo, todo mundo ainda travado. Suspiro.
- Ei... – Falo com a voz baixa. Não quero chamar a atenção do abelhudo lá atrás. Apenas Sekhmet e Maahes me encaram. Os dois têm uma audição tão boa quanto a minha. Olho para a ruivinha. Ela conseguiu me ouvir mesmo com fones de ouvido... Volto a focar no grupo – Se a donzela acordar do transe ainda essa semana, seria bom. Gostaria de não virar comidinha de anaconda hoje. – Franzo o cenho e o nariz – Nem nunca... – Murmuro, por fim.
Os dois bichanos entreolham-se. Maahes cutuca o Olho-Azul e cochicha a informação para ele, que assente com a cabeça em silêncio de volta, alarmado.
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A Viagem
Historical Fiction"O ano é 2.552 d.C. O planeta Terra foi arrasado por milênios de guerras pela supremacia e pelo poder entre os deuses de diversos panteões sagrados. A Nova Era mergulhou no caos e no apocalipse, mas ainda há esperança. Com a invenção de uma máquina...