Capítulo 2 - Convocação

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Hoje o dia está nublado, feio. Tem sido assim há muitos anos, desde antes de eu nascer, em 5.730 d.U.

Ah, claro, "d.U." é uma sigla para "depois da Unificação". Cada sociedade conta o tempo do modo que lhe cabe. Alguns usam calendários solares, lunares, baseando datas de acordo com suas crenças, sua fé. Nós, da Corporação A.N.K.H. não contamos o tempo como a maioria dos humanos contava há alguns séculos, na era de supremacia cristã. Para eles, agora estaríamos no ano de 2.552 d.C., ou "depois de Cristo"... Nossa fé é no panteão egípcio. Nossa história começou há muito mais tempo, portanto, estamos no ano de 5.752 depois da Unificação do Baixo e Alto Egito pelo faraó Narmer (ou Hor-Aha, quem sabe?).

Bem, acontece que eu só vi o sol brilhar três vezes nos meus 22 anos de idade. Foram os três melhores dias da minha vida. No dia em que eu nasci fez sol. Eu me lembro disso. Nunca me esqueci de absolutamente nada desde o instante em que saltei dos céus em direção a um pequeno ser na barriga de minha mãe. Sei quem sou. Sei quem fui, embora não lembre com detalhes de minhas vidas passadas.

Apesar de dolorosa, a sensação de nascer é inspiradora. Respirar pela primeira vez, sentir-se vivo, perceber o ambiente ao seu redor com seus próprios sentidos. Cores, cheiros, texturas, sons, sabores... É um milagre. Poucos percebem isso, infelizmente.

Também fez sol no dia em que meu irmão nasceu, dez anos depois. Ele também sabe quem é. Nossos pais passaram para a nossa fé no momento em que eu nasci. Eles não eram muito religiosos antes, mas qualquer um se converteria ao ver um bebê de poucos meses escrevendo em hieróglifos e começando a contar histórias mirabolantes sobre um passado distante assim que o cérebro desenvolve a capacidade de falar.

Não temos um Q.I. tão extraordinário, embora eu e meu irmão sejamos bem inteligentes. Apenas temos boa memória.

Por respeito a nossos tão amados pais biológicos, usamos nossos nomes de nascença. Eles nunca tiveram medo de nós, nunca nos internaram ou acharam que estivéssemos sendo, como se diz? Ah, "possuídos pelo capeta". Por isso, eu me chamo Anastasia, e meu irmão, Nikolay. Nascemos naquilo que um dia foi chamado de Rússia. Já não existem mais países. Apenas pequenas "ilhas", territórios isolados em um mundo de desolação.

A Corporação A.N.K.H. entrou em contato conosco há sete anos. Até hoje eu não sei como nos encontraram. Também não duvido de nada, sendo quem sou e sabendo o que sei.

Eles nos ensinaram sobre nossas origens, tiraram nossas dúvidas e nos treinaram para entrar para a Ordem dos Cavaleiros Ancestrais de Heliópolis. Ainda não sabemos tudo, mas estamos evoluindo constantemente.

Nunca fomos numa missão. Somos novos demais e muito recentes na Ordem.

Com um suspiro preguiçoso, levanto-me da cama e vou até o banheiro para lavar o rosto. São seis e meia da manhã. Ao olhar para o espelho, deparo-me com olhos verdes cansados e inchados de sono, algumas sardas espalhadas pelas bochechas coradas e um cabelo loiro todo emaranhado. "Por Rá..."

Demoro um tempo para penteá-los depois de tomar um banho rápido, escovar os dentes e comer algum alimento industrializado de preparação instantânea que escolhi depois de dois minutos encarando a porta aberta do pequeno frigobar em meu quarto. Estou instalada no prédio-sede da A.N.K.H. Não sabemos onde ele é exatamente, a localização é mantida em sigilo absoluto. Fomos trazidos para cá inconscientes, no terceiro dia de sol de minha vida.

Isso pode soar como um sequestro para muitos, mas na verdade eles salvaram nossas vidas. Tínhamos acabado de perder nossos pais num acidente. Não se deve sair das ilhas sem estar devidamente preparado. Aprendemos da pior maneira, mas agora não estamos mais sozinhos...

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