Capítulo 9 - Conferência

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Caminho lentamente pela extensa ponte que leva até o prédio do Plenário Divino. Os orixás a enxergam como uma imensa teia de aranha. Para mim é apenas uma ponte transparente.

Presto atenção nas cores, nos sons, cheiros e na sensação do vento em meu rosto, enquanto olho para baixo e vejo um mundo em decadência.

Está assim por nossa culpa, porque fomos arrogantes e cegos aos estragos que fazíamos. Fomos surdos aos apelos dos homens. Mas isso vai mudar.

Respiro profundamente enquanto atravesso a mesosfera. O ar está muito rarefeito aqui em cima, mas pouco me importa. Eu sou um Deus. Não morreria por causa disso.

O que me matou foi a traição de meu próprio irmão. Não guardo rancor. Ele fez o que fez por representar o caos. Afinal, o mundo precisa de equilíbrio. Os dois lados precisam ser iguais, senão...

Olho novamente para o mundo aos meus pés. Enxergo apenas destruição. Não foi à toa que Ísis estava tão abalada...

Logo meus domínios estarão recebendo mais e mais almas, as poucas que restam.

Não sou o único senhor dos mortos. Cada Panteão tem o seu, que recebe as almas que se adaptaram àquela realidade. Não existe crença errada, nós demoramos a perceber isso... Fé é algo tão individual e pessoal quanto as impressões digitais, ou os desenhos abstratos nas íris de cada um.

Em Duat, meu reino, só chegam aqueles que creem no Panteão Egípcio.

Dou mais alguns passos e já consigo ver a cidade dourada. Ela tem muitos nomes. Cada civilização a chama do modo como lhe cabe: Olimpo, Shangri-la, Asgard, Teteocán, Takamagahara ou simplesmente "Céu". Eu prefiro chamá-la de Aaru.

Tudo aqui é ofuscante como o sol, dourado. Se não fôssemos deuses, não conseguiríamos contemplar esta vasta cidade. Os olhos despreparados cegam-se com seu brilho.

A cidade fica localizada num plano acima da mesosfera terrestre, em algum lugar da ionosfera, na frente do sol, e os seres que vivem na Terra não conseguem enxergá-la porque a confundem com o astro-rei. Os dois brilham como se fossem apenas um.

A ponte, chamada pelos nórdicos de Bifrost e pelos japoneses de Ame no Ukihashi, termina e eu alcanço o chão dourado de Aaru.

Vejo uma gigantesca árvore central, que também possui muitos nomes, milhares de construções de ouro, mármore e diamante resplandecendo à luz do sol que jamais deixa de iluminar a cidade, e aquilo que acho mais belo: o firmamento. Apesar da constante luz solar, o céu daqui é preto e estrelado e o horizonte é feito de nuvens.

O Plenário Divino fica entre Valhala e o Palácio de Jade.

Percebo que aquilo que o tempo destruiu na Terra, não alterou Aaru em nada.

Finalmente chego no Plenário, a conferência divina está prestes a começar. Adentro o amplo salão circular de ébano e ouro, com diversos andares de arquibancadas com tronos ornamentados, cada um com um tipo de pedra preciosa. O meu é todo incrustado de rubis.

Sento-me ao lado de Rá, em seu trono de safiras. O trono de esmeraldas de Anúbis encontra-se vazio.

Lá embaixo, no centro do Plenário, está um palco de pedra preta brilhante. Não há nada em cima dele. Nós não temos um líder. Já não precisamos nos levantar para falar, nem elevar a voz para sermos ouvidos.

Hoje em dia nós somos mais sociáveis. Antigamente não era tão calmo assim. Lembro-me das guerras por supremacia, onde os deuses mais afoitos precisavam ir até o palco negro para falar e se engalfinhavam com outros.

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