Capítulo IX

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hmmmm...

ah...ah...

ai...ah...

Julie...Julie...


Ah..

Julie, acorda...Julie, sou eu...

Ela já acordou?

Não, está gemendo um pouco, mas o efeito da morfina ainda vai demorar a passar.

As feridas...estão cicatrizando. Ela demonstrou a vontade de...

Ela está dormindo, Marcos. Não vai pensar mais em nada. Já basta o trabalho que ela deu na clínica, o orçamento que vamos ter que arcar e as mortes que ela viu.

Ok, Anne. Vamos deixá-la dormir e descansar um pouco.

Não vou arredar dessa cama. Ficamos sem vê-la por um mês e olha o estrago que ela fez. Os médicos ainda disseram que ela tinha um bom comportamento. Estavam afrouxando as rédeas.

Fomos idiotas em pensar em que ela iria superar o susto. Bom, eu vou buscar um café, você quer?

Sim, por favor, Marcos.

ahhhh.... ah....

Julie. Julie, querida, está melhor? Julie!

Aconteceu algo?

Ela desmaiou de novo, Marcos... Julie...Julie..

Julie...

Nunca fiz tanta força para abrir os olhos. As pálpebras abriam como persianas enferrujadas e minha visão estava um pouco embaçada. Era um quarto, isso eu tinha certeza. Eu estava deitada no chão? Novamente? Não, não, estava quente, macio, aveludado. Havia coisas presas a mim, alguns cabos. Ai...doía a cabeça. Tinha um barulho repetitivo, um cheio de oxigênio puro, um tempero de leve no meu lado direito. Abri mais os olhos. Ok, era um quarto de hospital. Não estava morta, não era um purgatório, inferno ou céu, se eu merecesse. Só fui...resgatada.

Resgatada?

Dei um grito de alegria. Tudo doía, mas eu não pude me conter. Principalmente os braços eram como se tivesse agulhas grossas dentro deles, devia ser soro. Meu braços estavam muito avermelhados. Meu Deus, eu tinha apanhado muito. Estava com fome. Faminta.

Julie. Meu amor, você acordou.

Nunca fiquei tão feliz por ver alguém abrindo a porta.

Mãe...meu Deus, mãe! - e desabei a chorar, chorar.

Oh, querida. Está tudo bem, estamos aqui. Estamos aqui pra você, minha linda. Logo logo você vai ficar bem.

Só queria esse abraço. Que falta que me fazia sentir aquele calor. Minha mãe tinha me salvado. Eles se foram, todos os caras se foram. Renan se foi.

Obrigado, mãe. Obrigado por me tirar daquele inferno.

Tem mais pessoas que você devia agradecer. Seu pai, Robert, enfermeiros, todos eles se empenharam.

Como me acharam, mãe? Descobriram alguma pista sobre mim?

A cabeça latejava um pouco.

Oh, querida. Não precisamos da polícia para te encontrar.

Me encontraram por conta própria? Como conseguiram?

O rosto dela se fechou um pouco.

Bom, esse lugar já foi melhor gerenciado. Não foi tão difícil te encontrar. Pedimos para toda clínica te procurar. Foi dois dias de sofrimento, mas te encontramos estirada no chão.

Onde era o esconderijo? Onde eles me sequestraram?

Eles quem?

Os sequestradores. Renan, Charles e Jack. Todas aquelas pessoas mortas no corredor, meu Deus. Vocês encontraram todos.

Minha mãe virou o rosto para a porta e respirou fundo. Meneou a cabeça, prendeu os cabelos ruivos sob a pele desbotada e o vestido esverdeado e voltou os olhos para mim.

Sim, achamos.

Não me pareceu confiante. Era como se tivesse mais. Muito mais do que eu sabia.

Mãe... eu conheço a senhora. Pode me falar, o que está havendo? Tinha mais pessoas? Mais sequestradores? Houve...alguma sequela comigo?

Uma lágrima escorreu dos seus olhos. Ela se levantou. Deu passos ao redor do quarto, levando os dedos á boca. Ela parecia tremer.

Eu não aguento mais isso... não mais...

Mãe...mãe... o que houve comigo? Alguma doença, algum movimento que não terei mais - comecei a chorar- algum corte profundo, alguma..

Não tinha ninguém com você, Julie.

Não...não mesmo...eles devem ter fugido... eles...não...

Tinha sim, mãe. Eu caí e Charles e Jack estavam mortos com uma enorme poça de sangue...

Não, Julie. Não tinha sangue de ninguém - e ela chorava - achamos você no porão da clínica, toda machucada, cortada, segurando uma faca e gritando despesperada e deitada num saco de lixo. Você caiu de uma rampa de carga de lixo da clínica.

Estava perplexa. Marcos entrou.

Julie, querida. Está bem?

Pai, vocês me acharam - ele me abraçou- a mãe disse que...

Você está bem, querida. É isso que importa - afirmou ele, encarando minha mãe, que segurava o choro.

Só um minuto, querida.

Não, Marcos. Eu já sei o que você vai falar.

Então você sabe o que devia ser feito.

Eu não aguento mais isso. É a quinta vez. E dessa vez foi pior! Vamos tirá-la daqui.

Mãe - interrompi - o que há de errado. Eu não fiz nada de errado, mãe. Nada!

Filha, está tudo bem - disse meu pai com a voz mansa.

Uma carga de stress subia até a minha cabeça.

Você devia ter escutado os nomes que ela falou. O número de pessoas.

Já conversamos sobre isso. Chega. Não vamos complicar as coisas. Vamos fazer o que o médico disse.

O que houve, pai? Acharam Jack, Charles e Renan?

Filha, vamos relembrar algumas delas? Hum?

Não, pai. Não quero lembrar tudo o que eu passei com eles. É horrível.

Não se preocupe. Esses três homens nunca mais vão machucar você. Eles estão presos no lado oeste do país há cinco anos, querida. Não se lembra? Ninguém vai machucá-la. eu prometo.

O Jogo do PoçoWhere stories live. Discover now