Eu olhei as arvores ao redor da estrada e viajei no tempo, lembrando de quando minha avó veio me buscar assim que soube da morte da minha mãe. Ela era tão calada que quando eu ouvia sua voz meu corpo todo estremecia. Mas cuidava de mim e isso que importava. Morreu tempos depois que completei 14 anos, foi quando Mary apareceu na minha vida. Cheguei a imaginar minha mãe pensando em todas as pessoas que cuidariam de mim e me ensinariam a viver quando ela morresse, planejando tudo já prevendo a sua morte.
Mary é uma caçadora descendente de uma linhagem um pouco mais fraca que a minha, nunca me disse sua idade, mas creio que não viveu mais de um século, e virou uma caçadora com 21 anos de idade, "ela aceitou seu destino" como Jake iria explicar.
- Você não sentiu minha falta, desgraçada? - A voz de Jake afastou meus pensamentos e eu olhei para ele no bando traseiro do carro.
- Não - Respondi, mas ele sabia que eu estava mentindo.
- Você é uma porra de uma filha da mãe insensível e sem coração. - Seus lábios puxaram um sorriso de canto
- Você não tinha a boca tão suja dois anos atrás - eu ri
- Você não mudou nada, só consegue fingir.
- Imbecil.
Ele riu e beijou minha bochecha, consertando a postura novamente.
- Pelo amor de tudo que é mais sagrado! Vocês podem transar no banco de trás, eu não me importo, sério! - Mary exclamou e seu semblante meigo desapareceu quando um sorriso malicioso e brincalhão surgiu em seus lábios. Eu gargalhei.
- Eu também não me importo, acho que iria fazer bem pra esse seu mal humor, Annie.
- Acho melhor vocês calarem a boca, antes que eu soque os dois.
- Mas que em dois anos longe de mim você ficou bem mais gostosa... ficou. - Ele chegou pra frente e ficou entre os bancos onde eu e Mary estávamos. - Sério.
- Vai se foder.
- Vamos. - Ele disse e daí então começou a rir. Mary parecia estar concentrada apenas na estrada agora, mas deu um sorriso leve.
- Você precisa se tratar, pervertido. - Falei e ele voltou ao seu lugar soltando um "ai ai" como suspiro.
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- Dá pra acreditar que nascemos aqui? A cidade onde nosso querido Shakespeare nasceu. - Mary exclamou com empolgação.
- Pena que você não chegou a conhece-lo... - Expliquei sorrindo pra ela enquanto entravamos em Stratford Upon. Era verão e o sol estava intenso, observei os turistas encantados com as construções antigas, mas bem conservadas e a perfeita organização da cidade, mas só o que eu podia pensar era em quantos deles iriam sair daqui com mordidas no pescoço enquanto se perguntava onde conseguiram aquele ferimento.
- É verdade. - Ela estava tensa agora. - Annie, tem certeza que quer fazer isso? - Sua feição meiga me envolveu e me lembrei o quanto ela tinha uma relação maternal comigo. Eramos amigas acima de tudo e cuidávamos uma da outra - Você sabe que pode dar tudo errado. - Ela se concentrou na rua de novo, indo em direção ao Rio Avon.
- Tudo na vida pode dar certo ou errado Mary, eu estaria errada em simplesmente sentar e esperar que alguma coisa aconteça. Invés de fazê-la. Você sabe disso - Olhei pra trás e vi Jake fingindo que dormia pra não ter que participar da nossa conversa. - O que você fez com o vertrics? - Mudei de assunto olhando para Mary.
- Nada. Ele desapareceu.
- Então ele é mais esperto do que pensei.
- Deve estar borrando as calças com medo de Damon agora.
- Pode ser. - Ela estacionou o carro do lado de um carro pequeno e amarelo perto do rio, nada havia mudado em Stratford. As embarcações pelo canal pareciam as mesmas de anos atrás, os turistas também. - Temos que passear pela cidade e ir ao teatro! - Ela só estava tentando me fazer desistir de ir até Damon, ou pelo menos passar um tempo comigo antes de me ver ser morta por ele. Revirei os olhos.
- Jake - Chamei e observei abrir os olhos e se aproximar de mim - Onde ele está?
- Ah, você quer que eu saiba de tudo também? Se vire e o encontre, antes que ele encontre você. Damon já deve saber que você chegou aqui, Annie. Essa cidade é dele, do seu clã e dos seus escravos - Ele falou rápido, quase empolgado demais em conseguir abrir meus olhos.
- Medroso. - Falei. E o observei se ajeitar no banco de novo, imaginei que ele estava se sentindo desconfortável no moderno e pequeno fusca rosa de Mary, por ele ser grande de mais. Mary deu um longo suspiro e olhou para as mãos em cima do colo. - Vocês vão ficar aqui dentro? - Abri a minha porta e sai do carro observando os turistas. Eu estava com a mesma blusa que dormi, apenas espremi uma calça jeans no corpo, coloquei um sutiã e não penteei o cabelo. Mary jogou algumas roupas minhas e dela em uma mala pequena, porque ela sempre se contentava em ser a mais organizada de nós duas, sempre. Observei Jake e Mary saindo do carro e fui até as margens do rio.
- Vamos ficar em um hotel. - Mary decidiu olhando no relógio - Já são 16:00 horas, daqui a uma hora a maioria dos turistas voltam pra Londres e a cidade vai ficar mais vazia.
- Ok, mas eu não vou ao teatro. - Arqueei uma sobrancelha olhando para trás e vendo Mary e Jake caminhando atrás de mim. Jake parecia perdido entre a paisagem, e a cidade parecia carregada de alegria como eu nunca havia visto antes.
- Eu sei que você não gosta de observar as coisas, Annie. Gosta de fazê-las. - Mary explicou séria.
- Exatamente. - Sorri pra ela e sentei em um dos bancos. Senti o vento leve tocando em mim e fazendo alguns fios do meu cabelo se espalharem pelo meu rosto. Mary sentou do meu lado.
- Queria que meus olhos fossem verdes iguais aos seus. - Ela olhou pra mim. - Foi isso que pensei quando te vi pela primeira vez.
- Eles são legais dessa cor. - Olhei os olhos castanhos dela e sorrir.
- Não acho justo você não poder aproveitar a vida como uma adolescente normal. Você deveria sair hoje a noite comigo, Annie - Ela anunciou depois de um longo período de silêncio entre nós - Quem sabe você não encontra um desses turistas românticos, lindos e solteiros por aí. - Nós rimos.
- Você fala como se eu tivesse uma doença incurável. - Retruquei e ela olha pra mim como quem quer dizer "Mas você tem".
- Não é bem uma doença. - Mary franziu a testa. - É mais que isso.
- Você vai ver como vai dar tudo certo. - Fui otimista pela primeira vez em muito tempo e abri um sorriso forçado.
- Você é uma caçadora, Annie - Ela virou o pulso esquerdo pra mim e me mostrou a marca da sua linhagem que daria a entender pra qualquer um que era apenas uma simples tatuagem marrom escura quase preta. - Assim como eu.
- Não sou. Ainda faltam dois dias para meu aniversario de 18 anos. Vou me livrar dessa merda até lá.
- Seria muito mais fácil acabar com Damon se você fosse mais forte, você é tão... simples perto dele. - Ela deu ênfase ao "simples"
- Pensei que você era contra a ideia de me ver matando alguém.
- Depende de quem é esse alguém... - Foi como se uma luz se acendesse em cima da cabeça dela. Você tem dois dias para decidir se alimentar ou não. E Damon sabe que você não quer e nem vai fazer isso nunca, é justamente por isso que você tem que fazer. - Ela admitiu mesmo ainda triste, olhei Jake nas margens do rio observando ao longe como se ele fosse uma pintura. Jake tinha um corpo escultural, por isso chamava atenção das mulheres que passavam por ali. Mas a única coisa que eu conseguia pensar era na possibilidade de Mary estar certa.

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Duas faces do amor
VampirApenas um dia foi o suficiente para que minha vida virasse um inferno. Demônios andam entre nós, demônios que chamados de vampiros. Eles não foram feitos para amar e sim para matar e destruir. E agora, o que eu mais desejo no fundo da minha alma é d...