A convocação

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"Não é o Caminho do Guerreiro ser humilhado e evitar a morte, mesmo em circunstâncias que não são particularmente importantes ..... Quanto a mim, estou decidido a tomar minha posição dentro do castelo e ter uma morte rápida. Não terei dificuldade de abater uma grande parte dos inimigos, não importa quantas dezenas de milhares de cavaleiros se aproximem para o ataque ou quantas colunas nos cercarem. Mas esse não é o verdadeiro significado de ser um guerreiro, e seria difícil explicar como lealdade." - Torii Mototada (1539 - 1600)


O comandante Ronaldo Albuquerque do 1º Batalhão de Forças Especiais, uma das Grandes Unidades Operacionais do Exército Brasileiro, recebeu em seu gabinete um comunicado urgente às 9 horas da manhã. Esse comunicado vinha diretamente do Comando Militar do Planalto localizado em Brasília.

Antes de analisar o documento, o comandante olhou rapidamente para a televisão. O noticiário local ainda mostrava em letras garrafais a chamada "Ataque nuclear atinge o Brasil!"

Tentando manter o controle ele respirou fundo, arrumou os óculos bifocais e imaginou se sua esposa, filhos e netos estariam bem. Provavelmente eles estavam todos reunidos em casa, acompanhando a televisão e tudo o que os jornalistas relatavam. 

Mesmo com todo preparo militar em operações de guerra irregular, reconhecimento especial e contraterrorismo, ele sentiu aos poucos que seu estômago se revirava pois, o relatório estimava que o número de fatalidades era de mais de 12 milhões de pessoas e a cratera que afetava toda a área em volta, possuía a gigantesca superfície de 50.000 km quadrados. Algo que teoricamente só poderia ser causada por uma explosão maior do que 100 megatons, mais de 5000 vezes mais poderoso do que a explosão da bomba que explodiu em Hiroshima e Nagasaki. 

Ronaldo sabia que a radiação estimada para uma explosão dessa magnitude poderia causar um dano ainda maior nas imediações, algo em torno de 50% a 90% de mortalidade durante semanas.

Exatamente por isso, o procedimento de contenção já havia sido iniciado pelos comandos de Brasília e do Rio de Janeiro que agora organizavam as forças restantes do estado de São Paulo. O primeiro foi evacuar todos os sobreviventes que estavam próximos da cratera ao mesmo tempo que, bem próximo de uma das rodovias principais, era construído uma base temporária que receberia o time especial responsável pela investigação do que  havia acontecido. 

Além dos principais especialistas do país, diversos investigadores e representantes internacionais formado por algumas das principais forças militares do mundo já rumavam em direção. A lista de representantes ainda estava sendo confirmada mas até agora ele sabia que teria de receber representantes dos Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha e França.

Além deles, próximo da zona de contenção, diversos outras barracas recebiam os grupos de segurança e investigação especializados em ataques terroristas, bem como uma força tarefa da ONU organizava uma equipe focada no processo de ajuda aos sobreviventes.

Como primeiro ato, Ronaldo despachou o seu batalhão para a região, ele era um grupo especializado em proteger, organizar e revisar todo o processo de contenção, logo depois separou uma lista de investigadores da polícia federal que ficariam responsáveis por apoiar a investigação, buscando por qualquer indício de autoria e materialidade das ações criminosas.

Logo abaixo da lista de nomes, ele escreveu e grifou a seguinte frase "Eu vou dar forças aos guerreiros de todo o país, e ter uma morte resplandecente", relembrando a clássica passagem de Torii Mototada, um antigo general japonês.

Então balançou a cabeça e começou a organizar as ações das forças responsáveis responsáveis pelo processo de contra-espionagem e terrorismo que tinha a disposição. Ele tentava ser preciso, pois um passo em falso e ele poderia esbarrar em um processo político, algo que poderia agravar ainda mais a situação. 

Ele finalizou o despacho dos documentos no final do dia e então dividiu a lista de investigadores com seu assistente. Então começou a ligar pessoalmente para os agentes que conhecia visando iniciar a investigação o quanto antes.

... 

O telefone de Bruno tocou às 6:00 da madrugada. Ele inicialmente tentou ignorar mas o toque insistente acabou vencendo. 

- Espero que em nome de deus e do diabo a coisa seja séria, Alô! - Resmungou Bruno.  

- Levante-se princesa! - Respondeu Ronaldo usando sua voz rouca e militar. - Preciso de você aqui comigo sem demora. Situação de prioridade máxima!

- Ronaldo? - Se espantou Bruno. - Porque está me ligando a essa hora? Você sabe que eu não estou mais trabalhando em investigações do governo. – Replicou Bruno de forma contida devido a seriedade na voz de seu velho mentor.

- Acorde e tome um banho! Eu estou chamando você de volta. E se prepare porque seu café da manhã será entregue frio e enrolado com diversas folhas do pior relatório que tive a oportunidade de revisar!

- Como assim? O que aconteceu? Devo viajar até o comando em Goiás?

- Não meu amigo. Tudo será explicado no caminho! Um helicóptero está indo buscar você e mais alguns investigadores do Rio de Janeiro. Apresente-se ao heliporto da rua central em vinte minutos. Quero você aqui o quanto antes.

- Helicóptero? Por favor me adiante alguma coisa Ronaldo!

- Acabamos de sofrer um ataque terrorista Bruno. Um grave ataque terrorista. - respondeu Ronaldo de maneira séria.

- Heim!? Foi um estádio, algum prédio importante do governo? - perguntou Bruno com a voz embargada.

- Não, São Paulo foi atingida!

- Você diz que alguma região de São Paulo. Alguma ponte ou prédio?

- Não. A cidade de São Paulo foi atingida. Veja o relatório. Não posso falar mais. Te aguardo em algumas horas.

E o telefone se silenciou, deixando para trás ainda mais perguntas. Um arrepio percorreu a espinha de Bruno. Então ele levantou da cama e olhou para parede do fundo apenas para visualizar mais uma vez, como fazia todos os dias, a imagem transparente daquele esqueleto branco totalmente descarnado, que flutuava incorpóreo pela quarto.

Como sempre, o crânio de órbitas vazias parecia sorrir, quase gargalhar. Bruno apenas resmungou um alto "Merda!" e foi tomar um banho. Pelo menos, enquanto a água caia e o vapor enchia toda a banheira ele se permitia refletir e não ficava pensando no passado.

- Eu tenho um trabalho a fazer. Não existe nada melhor do que isso para reavivar as energias e afastar os fantasmas. - Falou em voz alta e foi se trocar.

Alguns minutos depois ele já rumava para o heliporto.

...

Na beira do abismo.Onde histórias criam vida. Descubra agora