A lembrança.

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Ele não conseguia admitir mas, só depois que a conheceu é que ele aprendeu a organizar suas prioridades. Ela foi o impulso que faltava para que ele encontrasse a direção de sua vida, o foco necessário. Foi por causa de todo o suporte que recebeu que ele finalmente conseguiu passar em todos os testes e se tornou um dos agentes federais mais condecorados do estado.

No entanto, foi esse mesmo trabalho que o levou para fora da cidade, em uma investigação no mesmo final de semana em que um assaltante resolveu invadir sua casa. Então parte da sua vida se foi, tudo aconteceu por causa de um punhado de reais e algumas bijuterias baratas.

Desde então ele vem tentando reorganizar sua vida. Infelizmente, próximo das coisas que eles dividiam, só resta o desespero e a desorganização.

Apenas longe, no trabalho, é que ele consegue organizar seus pensamentos e atitudes. Apenas no trabalho é que as coisas voltam a fazer sentido.Só por isso que ele continua atuando como investigador e consultor da polícia.

Por trás de toda aquela capa profissional, existe uma pessoa triste que deixou de viver para ele. O mundo perdeu o sentido e desbotou suas cores e talvez seja por isso que ele tenta arrumar o mundo. Talvez seja por isso que ele busca resolver o que está errado.

E ele só conseguiu pensar nisso depois de diversas seções com o psicólogo da polícia. E a resposta que deu para o psicólogo ecoa fortemente ainda.

- O que quero, me foi tirado. Por causa disso eu não consigo mais ver o mundo como antigamente. No entanto, eu devo admitir, toda a vez que eu resolvo um crime, encontro uma criança raptada ou prendo um assassino, eu sinto que talvez ainda exista alguma salvação pra mim. Eu sei, eu sou apenas um egoísta. Eu só quero arrumar o mundo porque acho que tudo está muito errado.

E mesmo depois dessa confissão, ele ainda tinha a certeza no seu coração de que não devia ter deixado sua esposa sozinha. Ele sabia que foi isso que causou a morte dela. O pior dia da sua vida foi exatamente naquele dia em que ele recebeu a ligação de um outro investigador informando que ele deveria retornar com urgência.

Imaginar o que tinha acontecido foi uma das coisas mais torturantes que ele sentiu e, encontrar o corpo dela deitada nu naquela mesa fria, bem no fundo do necrotério, só não foi pior porque ele teve de voltar sozinho pra casa naquela noite.

O psicólogo da polícia já havia dito que ele precisava lutar contra o desespero e que pensar demais poderia ser desesperador. Foi por isso que, em um determinado momento ele começou a mentir, primeiro sobre o que sentia e mais tarde sobre os desejos de suicídio que as vezes apareciam na sua mente.

Ela sempre considerou o suicídio uma saída fácil, escolhida apelas pelos covardes. Por isso, toda vez que ele sentia isso, ele se lembrava dela falando que aquilo era uma ideia abjeta e baixa. Assim, toda a noite quando aquela sensação aumentava, ele tinha de entorpecer sua mente com música alta, bebida barata e pílulas pra dormir.

Tudo isso para afastar a vontade de acabar com sua vida usando a mesma arma que ele estava usando no dia em que ela partiu.

E, toda manhã, juntamente com a ressaca, ele acordava com asco por todos os pensamentos que o visitaram na noite anterior, e assim, a cada passo dentro de casa ele tentava conviver com a dor e a saudade.

Ao longo dos meses foram pensamentos, pesadelos e até mesmo sons no meio da noite que o acordavam enquanto ele chamava pelo seu nome. Atualmente, sua mente estava tão treinada e focada em ignorar o problema que o esforço o fazia delirar.

Devia ser por isso que sempre podia observar uma forma esquelética que flutuava em seu quarto. Uma forma que ele ignorava pois, todas as vezes que se aproximava, a sensação de frio e morte se tornavam tão palpáveis que o peso da arma em seu coldre ficava insuportável.

- Que bom que tenho um novo caso pra resolver. - pensou. - Nada como mais um dia de caos para me distrair essa dor antiga.

...

Na beira do abismo.Onde histórias criam vida. Descubra agora