"Aquele que luta com monstros deve acautelar-se para não tornar-se também um monstro. Quando se olha muito tempo para o abismo, o abismo olha para você". - Friedrich Nietzsche
O helicóptero deixou o aeroporto do Galeão às 5:00 da manhã naquela fatídica terça feira. O vento que soprava do mar era fraco e ajudava a criar um clima ameno em todo o Rio de Janeiro.
As luzes da aeronave iluminavam a copa das árvores enquanto ele atravessava morros e alguns pequenos bolsões da remanescente mata atlântica.
Bruno folheava o relatório do exército sobre o estranho fenômeno parecia ter ocorrido na passagem da madrugada entre uma e três horas da manhã.
O relatório também indicava que o exército já havia construído todo um perímetro de proteção na maioria das rodovias e estradas que agora rumavam em direção do enorme fosso.
A tentativa era de isolar a região e evitar que pessoas pudessem ser afetadas ainda mais, no entanto, até o momento todas as análises indicavam ausência de radiação em toda a extensão da cratera.
Além disso, diante do que havia acontecido, ficava cada vez mais claro que o isolamento seria uma tarefa virtualmente impossível pois, a extensão da cratera superava todos os esforços humanos.
As autoridades brasileiras estavam totalmente despreparadas para enfrentar uma crise daquele tipo pois, o Brasil nunca sofreu um ataque terrorista ou mesmo uma guerra nas ultimas décadas.
O próprio relatório reconhecia isso quando apontava que os primeiras estimativas das autoridades locais eram por demais menores e se preocupavam apenas em criar um falso senso de segurança para a já combalida sociedade.
Mesmo o nome "Cratera São Paulo", que agora começava a circular pelos jornais do mundo, não foi um termo escolhido pelas autoridades locais, mas sim um nome cunhado por um jornalista freelancer que estava de passagem pela cidade de Campinas quando soube da misteriosa queda de energia.
Segundo o relato em seu blog, ele tomava uma cerveja à meia noite em um boteco de Campinas quando a tempestade caiu com força total na região, mesmo assim e talvez movido por uma coragem etílica, ele resolveu pegar a estrada para São Paulo.
Para resumir, seu carro quase caiu na beira do abismo e desesperado pela destruição que viu, ele retornou para Campinas e criou um post dizendo que havia encontrado uma cratera de meteoro na estrada que levava para São Paulo.
Depois foi dormir e só viu que estava completamente enganado quando acordou tarde no dia seguinte.
Sua notícia atingiu com força mínima a internet mas, muitos outros jornalistas da região acabaram rumando para a região à fim de ver e fotografar a "Cratera São Paulo" que ficava na estrada.
No entanto, com o dia nascendo, é que eles viram a destruição inimaginável no lugar aonde antes ficava toda a cidade.
Os jornalistas começaram a levantar a hipótese sobre um ataque terrorista e a velha guarda do exército já falava sobre a possibilidade de um ataque feito com o uso de um artefato nuclear.
No entanto, a notícia inicial sobre o meteoro juntamente com a falta de radiação levaram as autoridades à decidir que essa era melhor resposta até o momento, então confirmaram de que tudo foi causado pela queda de um meteoro.
Essa era a resposta fácil que poderia acobertar a investigação em paralelo que as forças de segurança estariam fazendo ao mesmo tempo, que preservaria a sensação de enorme de impotência das pessoas.
Ou seja, para muitos era mais seguro imaginar a queda de uma enorme pedra vinda do espaço do que atribuir todo esse poder destrutivo nas mãos dos homens.
Bruno entendia bem essa situação pois ele era descendente de um soldado que serviu em Yiroshima durante a época da segunda grande guerra. Sua mãe era Yonsei, a terceira geração de filhos de japoneses dos que vieram como imigrantes do Japão.
A mais de 60 anos, a estupidez humana rasgou o solo do mundo e revelou a fragilidade humana quando os Estados Unidos da América, redigiu juntamente com outros países aliados, a declaração de Potsdam, onde constavam os termos ditados por eles, para a rendição do Japão.
Em 26 de Julho de 1945 esta declaração foi radiodifundida pelas cidades do Japão e também lançada de aviões, escrita em papel, sobre todo o País.
No entanto, o processo teve um efeito oposto e no dia seguinte, todos os jornais japoneses anunciavam que o Japão não se renderia, o que levou os Estados Unidos a uma medida "extrema", a decisão fatídica de lançar bombas atômicas em 2 cidades de grande capacidade no Japão, Hiroshima e Nagasaki.
Naquela época, diversos testes haviam ocorrido no deserto mas nunca antes uma bomba nunclear ainda havia sido lançada sobre uma cidade.
Quando a primeira delas, chamada ironicamente de "Little Boy", caiu sobre Hiroshima em 06 de agosto de 1945, deixou em choque até aqueles que a haviam lançado, pois o projeto era tão secreto, que nem eles sabiam o que carregavam.
Apenas 3 dias após, em 9 de agosto de 1945, foi lançado uma 2a. bomba, a "Fat Man", sobre Nagasaki e calcula-se que cerca de mais de 140 mil pessoas morreram em Hiroshima e 80 mil em Nagasaki, contando as mortes subsequentes ocasionadas pela radiação sendo que os mortos, em sua grande maioria, eram civis.
Os militares japoneses não acreditaram no pronunciamento do Presidente Truman pelo rádio no dia 07 de agosto de 1945, onde ele dizia que se o Japão não se rendesse mais bombas atômicas seriam lançadas sobre ele.
Foi só no fim de sua adolescência que Bruno tornou real a sua consciência sobre a grandeza da tragédia ocorrida em Hiroshima e Nagasaki.
Ele já havia estudado sobre a 2.ª Guerra Mundial, mas só foi perceber o horror quando viu sua mãe chorando ao escutar a bela música escrita pelo grande compositor Vinícius de Moraes em parceria com Gerson Conrad e cantada na maravilhosa voz de Ney Matogrosso, na época vocalista do grupo Secos & Molhados.
A letra juntamente com a imagem de sua mãe chorando ao relembrar as histórias de seus antepassados que o fez sentir no fundo d'alma a dor que aquele povo sofreu. E enquanto folheava o relatório ele ia relembrando algumas passagens que tocaram fundo o seu coração:
"Pensem nas crianças mudas, telepáticas
Pensem nas meninas cegas, inexatas
Pensem nas mulheres, rotas alteradas
Pensem nas feridas, como rosas cálidas
Mas só não se esqueçam da rosa, da rosa
Da rosa de Hiroshima, a rosa hereditária
A rosa radioativa, estúpida, inválida
A rosa com cirrose, a anti rosa atômica
Sem cor, sem perfume, sem rosa, sem nada..."A musicar traduzia bem o que aconteceu no Japão e estranhamente, agora falava sobre o presente do Brasil.
A perspectiva da dor e da tragédia o açoitavam ao mesmo tempo em que ele pensava sobre como é grande a arrogância que alguns podem impingir a tantos inocentes.
Então ele fechou o relatório. E em silêncio ficou escutando o som das hélices do helicóptero, um som monótono que ainda não conseguia espantar os fantasmas daqueles que se foram.
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Na beira do abismo.
Science FictionA vida de Bruno mudou por completo depois do que aconteceu. Seu foco, sua inspiração se foi e agora só resta o seu trabalho como agente federal. Nada poderia ser mais importante então, a cidade de São Paulo é transformada em uma imensa cratera árida...