Um esqueleto no apartamento.

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O toque do telefone fez Bruno piscar pesado. Por um instante, ele abaixou a guarda e as memórias daquela manhã retornaram com força total.

A lembrança veio nublada mas ele se lembrou nitidamente do café frio e do pão duro com manteiga que serviram durante aquelas férias. Mas o principal não era isso. Aquela memória novamente ativou aquela sensação estranha que sempre sentia antes que a visse. Então arriscou erguer os olhos, e por um momento aquele velho e constante calafrio percorreu fundo sua espinha enquanto observou aquela forma mórbida passar flutuando pela porta do seu quarto em direção da sala de televisão.

Ele não olhou diretamente para aquilo mas, ele sabia que sua aparência era a de um amontoado de ossos flutuantes, brancos como gesso, que olhava para todos os montes de sujeira enquanto passava flutuando, sempre emoldurando um sorriso vago naquele crânio de órbitas vazias.

A psicóloga disse que ele poderia ter alguns pesadelos ou visões. Que essa poderia ser a forma que sua mente havia encontrado pra remoer a culpa do que havia acontecido. Mas ele não acreditava que aquele seria o caso. Mesmo assim, ele não acreditava em fantasmas, então aquela teoria poderia explicar que aquilo que estava na sala não passava de uma visão. Algo que ele deveria enfrentar para então afastar a dor que ele sentia. Mas a sua reação era de repulsa, então toda vez que aquele esqueleto vazio passava flutuando perto dele, ele tentava ignorar.

Por isso que ele sempre estava pensando no trabalho, nas novas missões que deveria cumprir. Então só se levantou e se preparou para sair até a sala. A presença fantasmagórica fez com que as memórias do passado se misturassem com a realidade. E agora, ele ja sentia, bem no fundo de sua mente, o calor que emanava das dunas de areia fina dos Lençóis Maranhenses.

Eles viajaram juntos pra lá a quase cinco anos. Mas os cenários que mudavam de formato e posição ao sabor do vento eram novamente vívidos. Ao longe, duas caminhonetes 4x4 estavam estacionadas próximas a estrada de terra que os levaria no final do dia para a cidade de Barreirinha. Perto das primeiras lagoas feitas de águas mornas e cristalinas, criada pelas água das chuvas do início do ano, estava a única grande fonte de sombra da região.

O prédio tinha um teto recoberto por grandes folhas secas de coqueiro e as paredes eram feitas de um revestimento flexível, composto por várias camadas de folha de bambu.

As janelas eram totalmente abertas para permitir a entrada do vento, criando assim um ambiente arejado e agradável livre de moscas. No bar, diversos turistas estavam maravilhados com aquele paraíso ecológico e conversavam animados nas mais diversas línguas.

Era uma memória e ao mesmo tempo um sonho. Então, ele viu que aquele rapaz oriental e a linda morena estavam sentados no lado de fora, em uma mesa próxima da sombra.

Estava bastante quente e o próximo passeio pelas dunas sairia em trinta minutos. Conversando enquanto esperavam.

- Qual sabor eu escolho? - Perguntou a garota. Enquanto retirava o largo chapéu e o colocava na mesa.

- Está realmente muito quente. - O rapaz disse.

- Vamos tomar sorvete de Cupuaçu.

- Dois sorvetes especiais de Cupuaçu. - O rapaz gritou para o garçom que estava dentro do prédio.

- Duas bolas cada? - O garcom perguntou da soleira da porta.

- Isso! Dois sorvetes grandes.

O garçom trouxe duas taças de sorvete e cobertura de chocolate e caramelo. Ele colocou as taças de sorvete, as colheres e os dois potes de cobertura na mesa, olhou rapidamente para os dois e saiu. A garota olhava para as dunas ao longe que brilhavam como estrelas enquanto o mormaço esquentava as lagoas.

Na beira do abismo.Onde histórias criam vida. Descubra agora