2 - O Sonho

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Passados alguns dias a decisão tomada no campo de batalha ainda rondava todos meus pensamentos. O servidor e todo seu enigma, seu jeito robusto, sua pele bronzeada, cabelos curtos e negros que apontavam para todas as direções, e seus olhos escuros como a noite em total penumbra. Comecei a enfurecer com minha completa falta de controle sobre qualquer emoção exagerada que tais pensamentos podiam causar. Nem ao menos imaginava qual era seu nome ou se ele teria mesmo um.

Sentada ao alto de uma arvore, tudo me dizia que eu não deveria tê-lo deixado partir, mas sendo sincera comigo mesma eu não tinha uma ponta de arrependimento, apenas receio pelos guardiões e uma ansiedade na boca do estômago. Foi a primeira vez que fiz algo que pudesse trazer consequências sérias a minha família e a mim, qualquer outra rebeldia ou deslize anterior era totalmente inofensivo. Se eu não conseguisse me controlar seria apenas uma questão de tempo até que Amber e Phil descobrissem, assim como o resto do reino.

Fechei os olhos e ergui o rosto para sentir melhor a brisa em minha pele e meus cabelos, por um momento, apenas aquele momento, me permiti pensar somente no servidor. Demorei alguns segundos para perceber que a brisa agora era um vento mais veloz, abri meus olhos para ver o que causara a mudança. Sorri ao ver a responsável se aproximando sobre as arvores rapidamente. Sophia era ótima em matéria de força e velocidade, ela nunca se contentou em ser apenas a filha da guardiã suprema sempre se preocupando em participar de todas as atividades que pudesse na clareira, não só para supervisionar como também para aprender. Por essa razão, além de sua força e agilidade Sophia era uma das guardiãs mais sábias que eu já havia conhecido mesmo sendo somente um ano mais velha do que eu. A perda do guardião supremo quando ela ainda era um bebê a fez ter mais responsabilidades desde pequena, eu sabia exatamente como era isso.

- Estranho encontra-la aqui em cima. – comentou assim que saltou para o galho onde eu estava – Você sempre preferiu o chão, o único que você não consegue levitar. – riu e me ofereceu uma das frutas que carregava.

- É bom mudar alguns hábitos de tempos em tempos. – peguei uma maça – Acabei percebendo que é um ótimo lugar para se refletir.

- Até que eu apareça, claro! – brincou – mas pensar sozinha? Nunca a vi sozinha, sempre com Am.

- Meus hábitos têm mudado muito. – mordi a maça.

Fisicamente ela era o oposto de Isis. Cabelos pretos e lisos, olhos verdes como esmeraldas e graciosa apesar da força. Suas características herdadas de sua mãe não eram físicas, Sophia era talentosa, perceptiva e observadora como a guardiã suprema. Muito embora eu confiasse minha vida a ela, não confiaria meus pensamentos. Não poderia deixar que percebesse algo.

- Espero que não pretenda mudar muito. Gosto da minha quase irmã Samira como estou acostumada a conhecê-la. – pegou uma maça também e eu lhe sorri sem humor – Sabe que você e Amber são como irmãs para mim? Crescemos juntas.

Apenas meneei a cabeça positivamente e mordi mais um pedaço da maça. Se ela pudesse ler minha mente saberia que não estava tão acostumada assim comigo.

- Também sabe que pode me contar qualquer coisa? – baixou levemente a cabeça, prendendo meu olhar.

- Claro! Am e eu a consideramos da família.

Queria que pudesse ser sem cerimônias ou segredos. No fundo aquilo eram somente palavras vazias de duas guardiãs que nada poderiam fazer para construir laços de amizade.

- Ótimo. – sorriu novamente. Para ela era apenas uma conversa casual – Não quer me acompanhar pelo resto da atividade?

Ergueu a bolsa de pano com as frutas que carregava na cintura.

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