Capítulo 1 O Tradutor

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Saudade é uma palavra pouco comum para ser usada com tanta frequência por uma criança. É um sentimento absurdamente íntimo e geralmente doloroso. Por isso, os adultos podem suportá-la melhor, pois estão mais acostumados a lidar com as ulcerações da alma, com as questões sem resposta, com a ausência de pessoas queridas, com as dores do mundo.

No entanto, Emily Dismorri vinha se confrontando com a saudade todos os dias de sua vida desde que seu pai, Jordan, desaparecera há quatro anos. Aos quatorze anos, a menina achava que estava deixando a infância rápido demais, passando a sentir angústias e frustrações que até mesmo adultos encontrariam um pouco de dificuldades para superá-las.

Como se a saudade do pai não fosse suficiente, Emy estava sentindo outra dolorosa ausência. Call, o jovem elfo de Damantiham, ao lado do qual ela passara toda uma aventura em busca da união do medalhão mágico criado pelo mago Albergain. Ocupava todo o espaço livre da mente da menina e a impedia de se concentrar nas questões palpáveis, reais, de seu próprio mundo.

Durante todo o tempo que ela passara no reino, pensava em voltar para casa. Para o seu mundo. Para sua mãe, Julie.

Porém, estar em São Francisco novamente não era nem de longe tão reconfortante como ela imaginara no reino mágico de Dimitri. Não conseguia parar de pensar em como todos estavam, em como o reino estava se reerguendo, em como as pessoas estavam retomando suas vidas, se Call ainda pensava nela, se alguém ainda se lembrava dela. Afinal, muitas vezes Emy chegava a achar que tudo poderia não ter passado de um sonho longo e confuso. As suspeitas só iam embora quando ela tocava a pedra quente que carregava sempre pendurada na altura do peito por debaixo da camiseta, a metade vermelha do medalhão de Damantiham. Na verdade uma réplica da verdadeira joia. Contudo, era tão fiel e brilhante, que a garota não saberia reconhecer a diferença entre a réplica e a original.

Todos estes sentimentos confusos passavam pela cabeça da menina e estavam lhe roubando o sono, além da concentração.

Já passava das onze da noite. A casa das Dismorri repousava em um profundo silêncio, apenas perturbado pelo barulho de uma leve chuva que caía lá fora. Gotas gordas escorriam pela janela do quarto de Emy e aquele barulho mínino que o murmúrio da chuva fazia era o suficiente para deixá-la inquieta.

Virava-se de um lado para o outro na cama sem conseguir dormir. Um turbilhão de ideias diferentes passava diante de seus olhos quando ela os fechava, imagens boas, outras que ainda lhe causavam um frio na espinha, e principalmente uma dúvida capaz de deixá-la pensativa por horas antes de dormir. Onde estaria Amyla?

Talvez ela nunca soubesse sobre o paradeiro da feiticeira, mas frequentemente temia encontrar aqueles olhos demoníacos pelas ruas, por onde andasse.

Emy estava debruçada sobre um livro de matemática. Teria prova pela manhã, e até aquele momento não conseguira entender a utilidade em se aprender sobre funções, progressão aritmética, progressão geométrica e logaritmos. A área de exatas era realmente a maior tortura de sua vida escolar, poderia passar o dia em uma aula de história mundial, mas não suportava cinquenta minutos de matemática.

A menina olhou pela janela uma última vez. Ninguém apareceria para levá-la para um reino mágico e poupá-la da humilhação que seria o resultado daquela prova. Ninguém viria buscá-la para sobrevoar campos de batalha sobre o dorso de um dragão. Ela estava sozinha e precisava se acostumar com a ideia, ou reprovaria não só em matemática, mas também em geografia, química e física.

Ela fechou o caderno de exercícios inacabados e o livro. Não conseguiria aprender mais nada estudando na véspera da prova, deveria ter se esforçado mais antes, ter pensado menos em Damantiham e ficado com os pés no mundo real, como sua mãe sempre pedia para ela fazer.

O Medalhão Mágico - A Cidade PerdidaOnde histórias criam vida. Descubra agora