Capítulo 5 A Cidade Perdida

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Emy chegou à escola mais cedo na terça-feira. Saiu de casa antes mesmo de o novo ônibus escolar passar em sua rua. Enquanto esperava o primeiro sinal, sentou-se em um dos bancos no pátio e abriu o exemplar de A História Sem Fim. O livro de couro estava ali dentro. Ela o abriu nas primeiras páginas. Sabia que fora seu pai quem datilografara aquele exemplar. Se ela estivesse certa, aquele era o livro que Jordan estivera procurando, de onde vieram os trechos que Cherman Laig traduzira. Seu pai tivera o trabalho de traduzi-lo inteiro para que ela pudesse lê-lo. Ela sentiu um arrepio na espinha. O título era aquela palavra cujo significado não tinha ideia. Felgori.

A menina mal teve tempo de avançar pela primeira página quando Lia lhe chamou.

— A História Sem Fim outra vez? — perguntou espantada. — Você gosta mesmo deste livro.

Ela sorriu sem jeito.

— Tem uma boa trama. — defendeu.

— Quando acabar me empresta? Nunca cheguei a terminar. — confessou Lia, que era o tipo de pessoa que não terminava nenhum dos livros que começava e a quem não se devia emprestá-los, pois não se lembrava de devolvê-los.

— Claro. — disse Emy, divertindo-se com a reação que a amiga teria se visse o real estado do livro por dentro.

— Alguma novidade sobre o que aconteceu em sua casa no sábado à noite? — perguntou Lia, curiosa.

— Nenhuma.

— Nenhum sinal do rapaz que abre portais por aí? — o tom de Lia estava perigosamente debochado para aquela hora da manhã.

— Nada.

A amiga deu de ombros. Juntas, elas caminharam em silêncio até uma aula insuportável de química.

Sentada na última carteira no fundo da sala, Emily Dismorri não conseguia se concentrar no que o professor dizia, se tivesse déficit de atenção essa situação seria justificável, mas seu problema era o turbilhão de pensamentos que os últimos dias tinham desencadeado. Suspirou perdida na teia emaranhada em sua mente. Era simplesmente muito nova para lidar com todos aqueles mistérios e perigo que a cercavam.

Sem o mínimo de foco para compreender fórmulas de química, ou qualquer outra no campo de exatas, a menina deixou os pensamentos vagarem sem rumo, enquanto olhava para o pátio cinzento da escola através da janela. Estava com medo de reprovar na escola. Perdera muitas aulas durante o tempo em que estivera em Damantiham, mas principalmente, perdera o interesse pelos estudos mundanos ensinados em São Francisco. A escola não mais lhe interessava, era parte de um mundo que havia ficado para trás, a partir do momento em que a garota descobrira que existiam milhares de outras possibilidades, em lugares lendários.

Após o sinal, Emy foi embora andando rápido, sem esperar pelos amigos. Não tomou o ônibus escolar, preferiu ir andando. No caminho parou em uma lanchonete e pediu o almoço. Acomodou-se em uma mesa no canto mais escuro do estabelecimento e retirou A História Sem Fim de dentro da mochila. Leu o máximo que conseguiu do livro do Felgori. Foram mais de trinta páginas enquanto esperava pelo lanche e outras cinquenta enquanto comia e bebericava uma coca-cola com gelo e limão.

Vez ou outra ela levantava a cabeça e olhava à sua volta com a nítida sensação de que estava sendo analisada, observada. Julgou estar paranoica, pois só havia crianças barulhentas ali, nada que inspirasse apreensão.

Como Emy já suspeitava, a leitura seria penosa. A história remontava uma época muito distante. Era inteiramente descritiva e narrava as minúcias de certos lugares remotos em uma terra tão desconhecida quanto o tempo. Parecia descrever as observações de um homem que caminhou perdido por muito tempo e finalmente encontrou um santuário. Outras vezes, parecia ser um texto tecido por várias mãos, contado, por pelo menos, uma dúzia de pessoas diferentes. Não era uma narrativa linear, saltava de tempos em tempos, para trechos sombrios de perceptível perturbação emocional do autor e provocava calafrios pelo tanto de vezes em que as palavras morte e maldição apareciam em cada linha.

O Medalhão Mágico - A Cidade PerdidaOnde histórias criam vida. Descubra agora