Capítulo 7 - Barulho no sótão

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Já estávamos andando pela grama seca a mais de uma hora, ziguezagueando pela floresta sem chegar em lugar nenhum. Os suspiros melancólicos de Thomas já estavam me irritando.

- Eu juro por Hades, se você suspirar mais uma vez eu chuto essa sua boca. - Ele riu, o que me irritou ainda mais.

- Ah, quanta agressividade minha cara. Meus dentes são muito valiosos. - O olhei por sobre o ombro com os olhos estreitados.

- Engula eles. - Acelerei o passo com os punhos fechados.

Eu realmente não sabia onde isso ia dar. Ali estava eu, andando sem rumo em uma montanha afastada da civilização, indo para um lugar que provavelmente não me receberia com uma festa com bolo e balões com um garoto que conheci ontem e que é bastante petulante. Talvez eu já esteja louca e ainda não percebi...

Graças a minha cabeça cheia de pensamentos gritantes, demorei a perceber que Thomas me chamava, ele teve que me empurrar em uma moita para eu acordasse.

- Precisava usar violência?! - Me levantei e limpei minha calça.
- Eu tentei evitar mas você não colaborou. Olhe, eis aqui a antiga casa de campo da familia Western. - Olhei a nossa frente, realmente, lá estava a casa. Não me lembrava de quase nada de lá, afinal eu só tinha cinco anos. Mas me lembro vagamente do balanço e dá janela do sótão... Era estranho, estar ali me fazia me sentir em perigo quando a onze anos atrás havia me deixado tão animada e feliz. Eu sairia correndo dali e voltaria para meus avós se pudesse. Mas não podia, tinha que ir em frente.

Suspirei e caminhei até a varanda da frente.

- Você trouxe as chaves eu espero... - Thomas disse colocando as mãos no bolso da jaqueta.

- É claro, meus avós deixaram bem obvio. Temos um chaveiro que tem capacidade para dez chaves, eles só tem a chave mestra da casa que abre todas as portas, a cópia dela, a do carro e outra que eles diziam ser da fazenda no interior. Foi fácil saber que na verdade era daqui já que tinha um L.W gravado. - Ao sacar a terceira chave destranquei a porta, exitei um instante e então abri lentamente a porta, revelando um vestíbulo escuro e uma sala ampla. Entramos e parei no centro do tapete de veludo, observando tudo ao meu redor. Eu me lembro que adorei aquele tapete, fiquei rolando nele o tempo todo, como um gato. Eu me lembrava de detalhes aleatórios como esse e não me lembrava do quê aconteceu naquela noite. Era desesperador.

Thomas jogou sua mochila no chão e se jogou no sofá de forma espalhafatosa.

- Casa legal. - Ele disse olhando para o teto e admirando nossas luminárias Tiffany. Revirei os olhos e joguei minha mochila no chão, caminhei até a sala de jantar, passei minha mão na mesa de madeira enquanto a rodeava indo para a cozinha. Lá me deparei com o mesmo cenário que me lembrava de onze anos atrás. Fechei os olhos e me veio o cheiro de biscoitos, a risada relaxada de minha mãe, Sebastian e Melanie conversando animadamente... Respirei fundo e conti as lágrimas que encheram meus olhos. Voltei a sala e me sentei na poltrona de leitura de meu pai com as mãos no rosto.

- Acho melhor ficarmos aqui esta noite e irmos para Londerwood amanhã de manhã. Esta escurecendo. - Thomas que folheava distraidamente um dos livros da estante de minha mãe me olhou com um sorriso de deboche.

- Tem medo do escuro Cora?

- Pelo contrario, me sinto até mais confortável a noite. Porém, temos que saber o que fazer para não correr mais riscos do que já estamos correndo. - Disse séria.

- Eu acho que o que esta nos esperando lá não se importa se é de dia ou de noite, mas já que você prefere assim... - Ele diz fechando o livro e colocando na mesa de cento. Me levanto.

- Certo. Pode ficar no quarto de meu irmão, é o segundo a direita se não me engano, enfim, é o que tem posters de bandas e quadrinhos. Vou ir tomar um banho, e coloque o livro onde você pegou. - Disse subindo as escadas e o olhando pelo canto do olho. Ele sorria. Aff .

Entrei no quarto de minha mãe e tirei os lençóis que cobriam a mobilia. Joguei minha mochila na cama e entrei no banheiro. Fiquei zonza com o cheiro que adentrou minhas narinas. O cheiro dela. A última vez que o senti foi quando vovó me levou a casa que morávamos para doar as roupas que haviam restado. Me segurei na batente da porta e entrei.

Ainda haviam dois cremes no armário da pia, um com aroma de amêndoas e outro de pêssego e creme para os pés e mãos. Me despi e entrei no chuveiro.

Depois de estar devidamente limpa, passei o creme de amêndoas e vesti meu blusão de Aventure Time e meu short de algodão de coalas, e claro, meias brancas três quartos. Me sentei na cama encarando o nada e cinco minutos depois bateu aquela fome básica da noite. Me levantei preguiçosamente e desci para a cozinha. Lá encontrei Thomas sentado na bancada vestindo uma bermuda branca e uma regata preta, balançando seus pés que usavam pantufas de urso e comendo sanduíches com chocolate quente.

- Quer? - Ele perguntou estendendo um sanduíche, fiz que sim e dei impulso para poder me sentar ao seu lado, peguei um sanduíche recheado com Nutella e queijo e dividimos o copo de chocolate quente. Ficamos ali comendo e em silêncio por uns dez minutos quando Thomas anunciou do nada.

- Minha bisavó era filha do dono do Grand Hotel.

- O quê? - Eu o olhei sem entender.

- Eu disse que minha bisavó era uma das filhas do dono do Grand Hotel. - Tomei um gole do chocolate enquanto o olhava séria.

- Então... Você é um descendente de Salmsville... O que exatamente você veio buscar?

- Todos sempre colocaram a culpa da morte dos Beauregard em minha bisavó, Annelise, mas a história não é bem essa. Ela na verdade, foi a principal vítima. - Ele disse de modo distante.

- Me conte... - Ele olhou para mim, e quando abriu sua boca para falar ouvimos um grito vindo do sótão. Pulamos no chão em sincronia.

- Você ouviu? - Ele me perguntou pegando uma vassoura encostada a parede.

- É claro! E uma vassoura não vai ajudar, vem. - Andei rapidamente até a sala e peguei uma espingarda de caça pendurada a parede, ainda com munição.

- Eu vou na frente, fique atrás de mim. - Sussurrei para ele e comecei a subir a escada, chegando ao segundo andar lhe pedi para abaixar a escada reclinável, subi os degraus lentamente e parei no centro do velho sótão. Não havia nada. Thomas estava bem atrás de mim e sua respiração entrecortada fazia os cabelos de minha nuca de arrepiarem. Já havia abaixado a espingarda e estava a ponto de dizer a Thomas que era só algum rato quando a porta do sótão se fechou em um baque e uma brisa gelada passou ao meu lado. Me virei rapidamente, Thomas não estava lá. Mas em seu lugar estava uma mulher, cabelos castanhos e levemente cacheados, olhos cor de amêndoas e uma camisola branca. Minha mãe. Ela estava pálida, e tinha uma cicatriz feia em seu pescoço mas mesmo assim ela era... Minha mãe.

- Você cresceu tanto ... - Ela disse com um sorriso delicado.

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