Capítulo 10 - O quinto andar

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Me sentei no chão estagnada. Era coisa de mais para uma cabeça só. Tudo que ocorrera comigo nos últimos onze anos, as vezes em que eu sentia que alguém me observava, as vezes que eu via vultos ou quando parecia que mais de uma sombra acompanhava meu corpo, sonhos e pesadelos sem sentido e repetitivos. Tudo agora fazia sentido. Eu já suspeitava que realmente alguem tivesse jogado uma praga em mim ou algo do tipo, mas não que isso envolvesse toda a minha família desde o meu bisavô. Será que meus avós e meus irmãos sabiam disso? E quanto a Melanie, o que realmente aconteceu com ela? Ainda precisava encontrar mais respostas. E algo me dizia que estaria nesse tal quinto andar, que há quase cem anos fora a cena de um massacre.

- Achei! - Ouvi Thomas gritar do outro corredor, corri até lá e o encontrei em uma das celas abertas, realmente, lá estava uma abertura na parede e uma escada de madeira em caracol.

- Por que será que esconderam tanto? - Perguntei enquanto subiamos.

- Talvez porque lá encima é que fiquem refugiados todos os males desse lugar... - Thomas disse de forma sinistra.

Ao chegarmos no topo da escada nos deparamos com um grande corredor. Estranhamente limpo e requintado para algo abandonado.

- Isso não devia estar nestas condições... - Thomas disse, o que me deixou ainda mais cismada.

- Vai ver alguém veio fazer uma limpeza recentemente... - Ele me olhou irônico. Realmente, aquilo não era obra de alguém normal. O corredor era o único que ainda conservara os antigos detalhes do hotel, papel de parede, tapetes, quadros aparentemente de pessoas importantes da época, algumas mesinhas com vasos de plantas que já deviam ter se decomposto a anos. E então chegamos de frente a uma grande porta de madeira com maçanetas feitas aparentemente de ouro.

- E está, é a residência dos Beauregard. - Thomas abriu a porta e iluminou com a lanterna.

Ali estava um vestíbulo com cabideiros e um grande aquário já totalmente verde de musgo. Logo depois vinha uma grande sala, todos os móveis eram cobertos por panos e as janelas estavam tapadas com tábuas. Fomos até a sala de jantar, depois a cozinha, a alguns quartos que deviam ser de empregados.

- Sua tataravó provavelmente dormiu aqui... - Ele me disse. Suspirei e continuamos andando pelo lugar. E então chegamos ao corredor principal. Abrimos os dois primeiros quartos, pareciam ser de hospedes. O outro parecia ser de uma criança, provavelmente do filho mais novo dos Beauregard, um quarto de casal com um berço, que devia ser do mais velho, de sua esposa e do filho deles, e o do final do corredor, a suite principal do casal. E só restou um quarto com a porta branca na parede da direita.

- O quarto de Anneliese. - Eu disse baixinho, Thomas sorriu e tocou a maçaneta.

Nesse momento um forte vento vindo sabe-se lá da onde entrou no corredor e fez nossa lanterna voar longe.

- Isso não é bom... - Thomas murmurou.

- Ah, não me diga! - Exclamei me abaixando e engatinhando até onde a lanterna caíra.

- Cora! A porta abriu! - Foi a última coisa que ouvi Thomas dizer, nesse momento algo pegou meu tornozelo e me arrastou pelo corredor, tentei gritar mas minha voz parecia sair muda, passei pela sala e pela cozinha, estava indo para o fundo do corredor que levava a uma janela aberta, eu iria cair por lá se não me soltasse rapidamente. Então quando eu já havia fechado os olhos e esperava ser arremessada do quinto andar daquele maldito sanatório, senti uma mão segurar a minha e me puxar de volta, a coisa que me puxava me soltou e finalmente parei.

- Finalmente Thomas! Pensei que morreria aqui... - Murmurei me encostando na parede.

- Eu não sou o Thomas...

* * *

Minha barriga gelou. Era uma voz masculina, parecia ser jovem. Olhei para o lado lentamente com medo do que veria. E o que vi não era tão assustador assim...

Um garoto de doze a catorze anos, não mais que isso, vestido com uma camisa de linho branca e um suspensório, com calças esfarrapadas e um sapato que precisava de um bom engraxate. Olhei seu rosto e quase gritei. Ele se parecia muito com uma versão mais nova de Sebastian, apenas o cabelo era um pouco mais cacheado e denso, mas fora isso era exatamente como ele nas fotos de família antigas. Eu sei que é loucura levando em conta os fatos mas, naquele instante soube que ele era meu bisavô Leonard. Sim, o mesmo que já estava morto a mais de vinte anos, mas se eu vira minha mãe que também estava morta e levando em conta também o fato de que já viera preparada para coisas fora de sintonia não me surpreendi muito.

- Leonard? - Inclinei minha cabeça.

- Olá Coraline! Você se parece muito com sua avó... A pequena Anastácia também tinha essas lindas sardas. - Ele disse com um sorriso e um brilho de orgulho nos olhos.

- Oh... É... Pois é, é um prazer conhece-lo... Aqui... - Disse sem saber o que fazer.

- Eu sei que é estranho para você querida, eu também acharia se estivesse em seu lugar. Coraline, você veio procurar respostas não é?

- Sim...

- Mas por que?

- E-eu... - Me engasguei. - Acho que me deixara mais tranquila... E... - Ele me olhava pacientemente como os professores fazem quando perguntam algo que sabem que você não sabe a resposta. - Na verdade eu não sei muito bem. - Encarei o chão.

- Coraline, e se eu disser que você veio aqui por nada mais nada menos que destino? Desde de o dia em que a família de minha querida amiga Anneliese foi brutalmente assassinada neste lugar e eu vi os quatro corpos estirados no carpete daquela sala eu não tive um só dia de paz e tranquilidade pelo resto de minha vida. Eu morri acreditando que Anne também havia sido assassinada de alguma maneira, pois nunca me disseram o que aconteceu a ela. E só depois que dei meu último suspiro, pude me reencontrar com minha querida amiga e juntos descobrimos a verdade. Desde então, acompanhamos as vidas de nossos descendentes e sempre soubemos que um dia um deles seria capaz de irem atrás da verdade e cortarem o laço que o mal lançou em nossas familias. Você, e Thomas foram os escolhidos. Ambos tiveram uma vida difícil até aqui, você perdeu seus pais muito cedo e de certa forma seus irmãos também. Thomas nunca conheceu o pai e não tem uma boa relação com a mãe. Você Coraline, de principio veio buscar respostas para o que aconteceu a onze anos com sua irmã, e acabou descobrindo que existia muito mais por trás disso não foi? Thomas de certa forma já sabia o que devia fazer.

- M-mas... O que devemos fazer?

- Primeiramente, acho que você precisa conversar com a única pessoa que pode dar as respostas que você tanto anseia.

- Q-qu... - Ele tocou minha testa e perdi minha consciência.

Acordei e pisquei meus olhos varias vezes para me acostumar a claridade do lugar em que estava, me levantei e percebi estar em uma espécia de porão bastante extenso... Uma lamparina estava presa ao teto e iluminava o lugar. Olhei ao redor e do nada uma voz familiar ecoou atrás de mim.

- Como é bom vê-lá aqui, irmãzinha. - Melanie disse com seu tom irônico.

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