Fantasium

Capítulo 2 - O primeiro dia

- Não acredito que vocês vão mesmo me obrigar a ir naquele lugar. - Disse depois de tomar a segunda caneca de café.

- Coraline, por favor. Só mais dois bimestres. - Vovó colocou o casaco e pegou as chaves .

- Dois bimestres, um ano e mais cinco na faculdade. Realmente, empolgante. - Revirei os olhos e peguei minha mochila.

Não é que eu não goste de estudar, só não gosto da dinâmica autoritária e com pouquíssima liberdade de pensamento que os colégios impõem. Sem contar os outros alunos, um bando de babacas, é raro achar algum que se salve.

Relutantemente destravei a maçaneta da porta. Peguei a mochila e joguei por cima do ombro.

- Boa sorte querida! - Minha vó disse antes de sair. Caminhei o mais lentamente possível até a entrada.

- Isso se eu sobreviver... - Murmurei.

Andei pelo corredor até o armário que me foi indicado. O abri e comecei a colar algumas fotos e colagens aleatórias. Já que era para estar ali, pelo menos seria eu mesma. Arrumei tudo e fui até a sala da primeira aula da grade. Me sentei na última carteira da fila ao lado da janela. A professora começou com o blá blá blá  entediante e fiquei encarando o pátio lá embaixo.

Alguns alunos faziam atividades, os mais novos corriam de um lado ao outro. Era um dia nublado, tudo ficava com aquele cheiro de chuva no ar... Tão bom.

- Senhorita Western ? - A olhei sobressaltada .

- Er, oi? - Ela cruzou os braços e me olhou feio.

- Qual a zona de gravidade de marte?

- Huum... Vinte e dois? - Ouvi algumas risadinhas na sala.

- Talvez seja melhor você responder lá na detenção. - Revirei os olhos e peguei meus cadernos. " Ótimo, lá pelo menos fico sozinha. " . Andei até a sala da diretora e lhe mostrei o bilhete, ela deu aquele sermão básico e me mandou copiar alguma coisa. Entrei na sala e abri meu caderno.

Estava quase terminando quando senti uma brisa passar ao meu lado. Olhei ao redor e não vi nada, ao olhar para minha frente levei um susto tão grande que cai de minha cadeira.

- Melanie! Como você veio parar aqui? - Ela deu sua típica risada, que eu realmente não achava lá tão amigável.

- Oh, sinto muito. Mas você sabe que posso estar onde quiser, só vim ver como estava sendo seu primeiro dia de aula. - Levantei minha cadeira e me sentei.

- Hum. Por enquanto não está tão ruim. - Ela sorriu. A maçaneta da porta girou e ela evaporou no ar. A secretária da diretora entrou na sala.

- A senhorita já terminou? - Fiz que sim com a cabeça, apesar de faltar uma frase. Peguei minhas coisas e sai de lá. Faltava quase uma hora para minha avó ir me buscar, então decidi ir até a biblioteca. " Um pouco de sossego no meio dos livros, nada melhor... " .

Fui direto a seção de aventura/ficção e fiquei indo e vindo no meio dos inúmeros títulos procurando os que mais me interessem.

- Por que não vai aos mistérios logo? Agatha Christie é uma ótima aposta. - Olhei ao redor assustada, era a voz de Melanie, ela costumava falar na minha mente as vezes, mas não em locais públicos. Ela tinha razão, mistério me entretia mais. Fui ao corredor com as estantes do gênero que estranhamente estava vazio, ninguém além de um garoto, fui a prateleira mais cheia, peguei alguns e já ia saindo quando o garoto brotou na minha frente. Ele tinha olhos um pouco esverdeados, os cabelos negros, lisos e com um corte típico de góticos, aliás ele se vestia como um. Suspirei.

- Eu ia pegar esse. - Ele disse de modo monótono apontando para um livro no topo de minha pequena pilha. Inclinei minha cabeça.

- Sinto muito. Mas esta biblioteca é publica, assim como todos os livros que nela estão. - Sorri com uma dose de arrogância e lhe dou as costas com o livro abraçado. Já estava virando o corredor quando senti uma aura negra passar ao meu lado, talvez tenha sido só minha imaginação mas, o livro pesou em meus braços. Olhei para trás, o corredor estava vazio. O sinal tocou, passei o livro para a bibliotecária e o coloquei em minha mochila.

- Como foi?! - Minha avó perguntou com uma estranha animação exagerada.

- Huum... Normal, não matei ninguém pelo menos. - Ela revirou os olhos, mas tinha um sorriso nos lábios.

Obviamente não contei sobre a detenção, era bom não ter problemas com meus avós de vez em quando. Começou a chover, joguei minha mochila para o banco traseiro, percebendo novamente um peso exagerado, e encostei minha cabeça na janela, fiquei observando as pessoas lá fora. Uma mãe esperando na calçada para poder atravessar com sua filha, um velhinho conversando com uma jovem, dois empresários bem vestidos andando apressados falando ao telefone... E um garoto com roupas em sua maioria pretas ou cores escuras, o cabelo liso negro grudado no rosto e olhava fixamente para nosso carro, ou melhor, para mim. Aquilo durou poucos segundos mas me causou um estranho arrepio. " Realmente Coraline, só de ter tido um pequeno contato com um garoto estranho já fica assim? Melhore, por favor. " . Sim, eu costumava discutir comigo mesma, mas eu sentia, não sei porque e nem como, aquele garoto tinha algo de... Diferente, e semelhante, como se eu o conhecesse, de um passado distante. " Definitivamente, não estou normal. " .