01 - Primeira Prisão - O Shopping

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01 - Primeira Prisão - O Shopping

Oi, eu sou Marvin. Espero que não tenha lido isso na voz do Goku, sério. Você deve ter pouco juízo por estar lendo o que escrevo. Droga, me distraí novamente. Então talvez eu deva começar de novo, tornar isso o mais normal o possível para todos nós. Meu nome é Marvin Costa, minha mãe é fã dos Titãs e por algum motivo ela achou que esse nome ia me trazer sorte. Mal sabia ela.

Sério, será que ela ouviu a música antes de escolher esse nome?

De qualquer forma, estou com dezenove anos e nunca fiz nada de significativo na vida, além é claro de ser uma pessoa completamente "na média". Sempre fui o último a ser escolhido no futebol, não sou bom em jogos de luta, leio bastante e gosto de ouvir músicas pelo meu celular.

Meu corpo não é gordo ou magro, está perdido no meio. Não sou sarado ou definido. Nada atraente. Espinhas sempre aparecem no meu rosto e tenho uns fiapos de barba que insisto em cultivar. Não penteio o cabelo, por isso sempre uso touca ou boné. Economizar tempo, gel e creme. Sim, sou desses.

Pode ser chocante para você, mas como um cara de dezenove anos completamente desinteressante eu sou esperto e não gosto de ninguém. E é até fácil, eu nutro um certo desprezo por mim, e então assumo que a humanidade fará o mesmo, assim não suspiro por ninguém. Tosco, né? Mas funciona para mim.

A única coisa realmente interessante ao meu respeito são minhas prisões.

É como eu e a Doutora Marta passamos a chamar meus pesadelos. Cinco em cada sete noites da semana, tenho pesadelos. Vividos, repetidos, bizarros e um pé no saco. Me sinto como um prisioneiro em condicional, que tem que voltar para um certo local numa hora determinada ou será um fugitivo e perderá seus privilégios de condicional. E como todo bom preso, eu odeio minhas prisões. 'Bom preso'? Trocadilho infeliz, me desculpem.

De qualquer maneira única forma de me rebelar contra isso é não dormir. E bem... em algum momento eu perco a luta e adormeço.

Voltei do trabalho direto para casa e não teria aula na faculdade aquela noite. Estava me sentindo exausto e iria bolar ótimas desculpas para não sair do meu quarto todo o fim de semana. Posso assistir seriados e procrastinar os estudos, ou ler, ou fazer altos nadas. O céu é o meu limite.

Só não quero dormir.

Me recordo então das malditas contas do cartão que vencem hoje, e antes que perceba me pego em frente do shopping. Filas monótonas, uma garota bonita escolhendo um jeans, não sei bem o que tocava nos meus fones, mas o mundo parecia terrivelmente mudo naquele momento.

Uma grande mariposa passa a poucos centímetros da cabeça da menina do jeans. Ninguém parece notá-la. Um inseto enorme no shopping não deveria ser tão... normal.

Chego na praça de alimentação, como sempre, e me sento sozinho em uma mesa próxima a uma pilastra. Não tenho certeza de que rede de fastfood é o hambúrguer que estou mastigando. A música estava baixa nos meus fones, e eu podia ouvir o ruído tipico de um lugar cheio de pessoas. Dezenas de rostos cruzam minha mente e eu procuro conhecidos na multidão de estranhos, dou um gole no meu refrigerante e balanço o copo por gostar da sensação do gelo batendo nas bordas.

Tudo igual como das dezenas de outras vezes.

Eu ouço a discussão antes de vê-la de fato. Duas mulheres. Um bebê, no carrinho.

Uma delas grita, a outra se encolhe e chora em vergonha.

É tudo tão real. Posso ver as veias saltando do pescoço da mulher gritando. Gotas de saliva refletindo as luzes pálidas do shopping. Um pedido de desculpas, uma suplica para ir embora. Os seguranças vem andando cautelosamente, fechando uma espécie de cerco ao tumulto.

As Doze PrisõesOnde histórias criam vida. Descubra agora