11 - Quinta Condicional - Enquanto você dormia

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11 - Quinta Condicional - Enquanto você dormia

Oi gente, eu sou a Iwa. É um pouco estranho estar aqui, confesso que me sinto meio boba até. Parece que eu estou conversando, mas na verdade estou falando sozinha, só que vocês vão ler, então não estou falando só. Dá pra entender?

Aí fiz confusão, desculpa. Enfim.

Acordei assustada com a dona Miranda me gritando da sala de jantar. Vesti qualquer coisa que me deixasse apresentável e fui até a cozinha onde ela estava de pé com ambos os braços apoiados na mesa, pálida. Reparei no telefone sem fio a frente dela. Ela me olhou e não pude ver nenhum traço da força rotineira no rosto dela. Procurei pelo Marvin com os olhos e como se ela tivesse lido minha mente me disse:

- O Marvin está na Bahia, filha.

- O quê!? - meu primeiro instinto foi sorrir de leve. Ele tinha me dado boa noite a poucas horas atrás. Sem saber o porque desliguei a boca do fogão que aquecia um bule com água. Andei até ela e toquei o seu ombro, ela tremia de leve. - Eu mesma vi ele se recolher para dormir mais cedo ontem, abaixei o volume da TV da sala e tudo... É imposs... - me detive e então senti uma espécie de frio familiar.

Quando o assunto era o Marvin, o impossível ganhava uma cara nova. Caminhei até o quarto dele, a porta ainda fechada. Bati de leve e abri. Nenhum som. Liguei a luz. A cama estava bagunçada, mas não havia sinal dele.

- Os pais do Lucas me ligaram, aquele amigo dele do computador, pegaram meu número no celular dele. Ele está lá...

- Mas... COMO!?

Cada uma de nós estava com seus próprios pensamentos na cabeça, mas uma pergunta que tínhamos em comum era: como diabos o Marvin tinha chegado na Bahia durante a madrugada?

Miranda tomou uns dois comprimidos com um grande gole d'água e se sentou a mesa. Me sentei no chão. Me senti sem chão. Eu não entendi ao certo o porquê, mas estava chorando baixinho para ela não me escutar. Eu estava conhecendo uma impotência completamente nova, e tinha tanto medo do que isso podia fazer comigo.

Esse desamparo, não era só meu. Eu notei que as "meninas dele" ficavam assim também. Ver essas coisas acontecerem com alguém com quem você se importa tanto e só poder assistir... Era doloroso. Ela saiu da mesa e se deitou ao meu lado, no chão mesmo. Nos abraçamos e ficamos ali por um tempo. Por muito tempo, na verdade.

- Ele não costuma ficar doente, mas eu sempre cuidei dele quando ficava com febre... - Miranda começou a falar, ainda estávamos deitadas juntas, e ela não se mexeu. - Desde bem pequeno é um garoto tímido e sensível, nunca arranjou briga no colégio ou falava mais alto do que o necessário. A gente sempre conversou sobre tudo. Quando esses sonhos começaram, eu fiquei tão preocupada. Acordava com os gritos dele quase todas as noites. Me irritava, me cansava, mas eu sabia que ele não tinha culpa. Com o tempo ele passou a nem mais me acordar. Nessa época achei que tinham acabado, sabe? Os pesadelos... - ela se sentou e aninhou minha cabeça no colo dela. - Eu estava com o humor cada vez melhor, e então depois, só bem depois, notei que os pesadelos não tinham ido embora. Marvin tinha escolhido conviver com eles sozinho, não me acordava mais.

- Ele é do tipo cabeça dura, quer fazer tudo sozinho do jeito dele... -falei enquanto a olhava nos olhos. - Especialmente se ele sente que pode incomodar ou causar dor...

- É... - ela assentiu com a cabeça. - E eu me senti péssima por não ter notado a diferença. Sempre fizemos tudo juntos, passamos por tudo. Mas a partir desse momento um tipo de parede nasceu entre nós. - ela mergulhou nas lembranças e pensamentos por um tempo.

Segurei a mão dela e me levantei, busquei um cobertor e a envolvi pelos ombros, reacendi o fogão e tentei passar um café. Me sentia tão pequena. O Marvin se encolhia naturalmente para não chamar a atenção para si, mas nessas situações a concentração e o foco dele eram assustadores. Não é só uma questão de agir, é a forma como ele se coloca no controle e faz tudo acontecer. Eu o admirava e não sabia se alguém como eu poderia fazer qualquer coisa para ajudá-lo.

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