03 - A Segunda Prisão - O Escuro
Neku me ligou na tarde de domingo para jogar conversa fora. Eu tinha dormido menos essa noite, mas ainda assim bem mais que o habitual. Meu bom humor me assustava tanto quanto meus pesadelos.
Poder dormir era maravilhoso.
Talvez por estar mais descansado, comecei a reparar em algumas coisas que não notava com facilidade antes: Neku, que normalmente era quieto e calmo, estava bastante irritado. Ele chegou a ter uma discussão feia com os pais e nem se deu ao trabalho de desligar o microfone ou a chamada. Depois dessa briga, ele disse que ia dar uma volta e saiu.
Neku!? Dando uma volta? Aham!
Por algum motivo, esse episódio mexeu comigo. Passei um tempo olhando a tela que me avisava que a chamada havia sido encerrada e quanto tempo ela havia durado. Trinta e três minutos. Já somos parceiros digitais a pelo menos uns cinco ou seis anos, e fazia muito tempo que não tínhamos uma chamada tão curta. Tinha algo rolando. Eu só não fazia ideia do que.
Tentei não ficar paranoico com algo tão bobo. Famílias brigam, Neku podia sim sair de casa, nada de surreal nisso. Mas ainda assim...
Minha mãe me tirou do devaneio ao entrar em casa rindo alto. Falava com uma parente qualquer desse que a gente nunca vê, mas tem milhares de historia de família com ela. Perdi o interesse em jogar, e já havia lido minha cota de fenômenos bizarros do dia.
Ler sobre o paranormal, lendas e mitos tinha virado uma espécie de cruzada após o meu evento no Shopping. Um parte de mim sabia que aquilo estava longe de terminado, e eu queria fazer o que pudesse para me assegurar. Mas a internet não era confiável, eu não acreditava em guias espirituais modernos e livros sobre essa temática eram repletos de especulação e bobagens misticas.
Estava no escuro.
Escuro...
Essa expressão me trouxe de sobressalto uma lembrança. Desde ontem comecei a rever meus pesadelos mentalmente e nomeá-los. Fiz uma ordem de mais comuns a mais raros, e na minha escada 'Queda', ou 'Shopping' era o mais frequente, seguido pelo 'Escuro'.
No Escuro, geralmente eu estava em um lugar diferente por vez, um rua ou loja, e as luzes se apagavam, e então eu podia sentir o ambiente ao meu redor: sons, vento, cheiros; mas estava totalmente perdido sem enxergar.
Adorável, não?
Eu lhes contaria a lista, mas é que não quero vocês perdendo o juízo tentando descobrir como é cada um deles ou o que acontece, essas coisas. Vocês vão conhecê-los aos poucos. É melhor assim. Além do mais quem tá contando a historia sou eu e vai ser do meu jeito sim. Onde eu estava? Ah, é! O Escuro!
Eu fiquei pensando em um monte de coisas ruins e não fazendo nada de útil. Era domingo afinal de contas. Não estava nada cansando no fim da noite, e meu amigo Neku ainda não tinha aparecido. Após verificar o andamento de algumas negociações online em um dos nossos jogos decidir ir dormir. O que era bem bizarro vindo de minha parte, já que eu lutava contra o sono desde quase sempre. Mas desde sexta eu tenho dormido muito bem, e achei que poderia estar livre dos pesadelos. Que eles se tornariam eventos isolados, como é com a maioria das pessoas.
Naturalmente eu estava completamente enganado.
Estava passando por uma rua bem movimentada. Sentia o calor do sol no rosto, era o fim da manhã pela força da luz, e ouvia os sons que uma rua cheia tem: conversas sem sentido, motores, buzinas, músicas e anúncios diversos. Andei sob a sombra de um prédio e mexi no celular distraído. Uma mariposa meio estranha pousou no meu ombro, após um leve susto espantei ela com um abanar de mão. Observei-a sumir na copa de uma árvore. Não sou um fã de insetos voadores.
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As Doze Prisões
Mistério / SuspenseMarvin sempre foi assombrado por seus recorrentes pesadelos. Ao contrario do que muitos pensam ou estão habituados, ele não acordava aos gritos. Seus despertares eram silenciosos e frios, e muitas vezes ele não tinha certeza se havia saído completam...