Capitulo 1

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Eu sabia que isso aconteceria em algum momento, mas não sabia que seria tão rápido. Toda a nossa comida havia acabado, não tinha nada em nosso pequeno armário, só algumas teias de aranha que em breve se tornariam cada vez maiores.

- Eu vou caçar - Disse Cam - Eu não volto até conseguir alguma coisa.

- Então você não vai voltar nunca- digo me sentando em uma das poucas cadeiras de nossa pequena casa. - É impossível você conseguir algo em pleno inverno. Você só vai conseguir um bom resfriado.

"O inverno pode ser longo e rigoroso" lembro que meu pai sempre nos dizia isso. Nunca poderia estar tão certo e por um momento, agradeço por ele não estar aqui para ver em que nós nos transformamos.

- Mas eu não aguento te ver assim. Isso está me matando. - Diz ele com os olhos cheios de lágrimas.

- Eu sei - Me levanto e vou em sua direção - Mas entrar em desespero não vai adiantar em nada. - E limpo uma lagrima traiçoeira que escorre em sua bochecha.

Cam não gosta de chorar na minha frente, ele gosta de se fazer de forte, mas no fundo eu sei que ele é apenas um garoto.

- Nós vamos morrer de fome, Valentina. Não me peça para ficar de braços cruzados vendo você desaparecer na minha frente. É minha obrigação cuidar de você. - Diz se desviando do meu toque.

Cam sempre achou que devia cuidar de mim. Ele fez uma promessa ao meu pai de que sempre me protegeria, até mesmo da fome. Mas ele era só uma criança e não deveria ter carregado o fardo de uma promessa tão grande.

- Amanhã eu irei até a cidade e conseguirei um emprego. - Digo a ele.

- Você vai fazer faxina em troca de um prato de comida? - Diz zombando de mim.

- Se for isso que eu terei de fazer, então eu farei - Digo magoda.

- Me desculpe meu amor, eu não queria ter sido rude - Ele me abraça e começa a beijar meus cabelos - Nós vamos conseguir superar isso.

Superar. Nós só faziamos isso. Nós só supervamos as coisas. Eu estava cansada disso. Só queria um dia de paz na vida. Sem ter que pensar em quando a comida iria acabar.

- Eu te amo tanto Valentina. Só queria que você fosse feliz, e um dia eu juro que lhe farei esquecer dessa nossa vida amargurada.

Eu não tinha uma resposta para essa declaração. Nunca achei que pudéssemos melhorar de vida.

Cam começou a beijar meus olhos, minhas bochechas e meu pescoço e não demorou muito para irmos para cama e fazermos sexo. Rápido e sem muita emoção. Como a maioria das vezes. Eu não reclamava. Eu o amava e se isso o deixava um pouco feliz e menos amargurado, então eu faria isso por ele.

Nós nos conhecemos desde crianças, quando nossa maior preocupação era qual seria a brincadeira do dia. Ele era um menino órfão que meu pai deu teto e camida. Cam sempre foi um garoto bonito de olhos castanhos claros, cabelos grandes e cacheados e um corpo magro e esbelto e eu sempre fui muito magra, com cabelos muito rebeldes e castanhos e olhos tão azuis que quase desapareciam. Meu pai sempre me dizia que quando olhava em meus olhos conseguia ver sua alma refletindo de volta. Meu pai, ele morreu à oito anos e isso quase acabou comigo. Se não fosse por Cam acho que eu não estaria mais aqui. Ele foi morto pela praga, que matou muita gente na época e quase exterminou nossa vila. Eu nunca conheci minha mãe.Nem sei como ela é, pois ela morreu pouco depois que eu nasci. Meu pai nunca me contou a causa de sua morte e eu nunca perguntei. Falar sobre ela era doloroso demais para ele, mesmo eu não sabendo o porquê.

Cam já está dormindo envolto em meus braços. Está tarde e o dia será longo amanhã. Me viro para o lado e tento não pensar muito no amanhã. Pois, talvez ele nem chegará.

ValentinaOnde histórias criam vida. Descubra agora